Chegamos ao final de um ciclo da 6ª Semana Social Brasileira (SSB), de 2020 a 2024, com o tema “Mutirão Pela Vida, por Terra, Teto e Trabalho”. A SSB se confirma como uma vivência sociotransformadora com mais de três décadas na Igreja no Brasil. O tema atual escolhido em sintonia com o apelo do Papa Francisco: “nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhuma pessoa sem a dignidade que provém do trabalho”, foi aprovada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na 57ª Assembleia Geral de 2019. Com isso, a Comissão Sociotransformadora da CNBB impulsionou a articulação da 6ª SSB entre pastorais e movimentos populares.
Mesmo com as limitações impostas pela Pandemia da Covid-19, desde a abertura da 6ª Semana Social Brasileira, em março de 2020, muitas atividades virtuais e presenciais ajudaram a cumprir os objetivos. Realizamos mutirões de conversas sobre terra, teto, trabalho; produzimos web series; organizamos mutirões de formação, articulação e diálogos regionais e inter-regionais; missão Maranhão de denúncias sobre violações e mortes no campo; diálogo e incidência junto aos gestores públicos, como a audiência com o consórcio de governadores do Nordeste; seminários online e presenciais nos regionais; ativismos nas redes sociais; publicações de cadernos formativos; seminários presenciais e encontros diálogos com movimentos populares dos segmentos terra, teto e trabalho.
O diagnóstico do Brasil que temos traz presente os desafios vivenciados em todas as regiões: os povos do campo, das águas e das florestas enfrentam a opressão do capital por meio da mineração que causa danos aos humanos e ao meio ambiente. O do agronegócio promove o desmatamento, a monocultura e os agrotóxicos que violam direitos das comunidades e da natureza; além da invasão de territórios de povos e comunidades tradicionais com diversos níveis de violência. A exploração de bens naturais, por meio de extração de minério, petróleo e gás, parques eólicos, barragens hidrelétricas, causando danos ambientais, perdas de territórios, migrações forçadas, violências contra as mulheres e assassinadas. Tudo isso caracteriza-se como grandes e graves crimes ambientais e sociais de impacto devastador.
No ambiente urbano, a especulação imobiliária e ausência de políticas públicas efetivas causam um drama às famílias que vivem em situações de moradias precárias e às mais de 260 mil pessoas que estão em situação de rua. Muitos imóveis estão ociosos, sem gente, e muitas pessoas sem condições dignas ou sem casas para morar. A grande maioria dessa população são mulheres negras e periféricas. Além disso, os impactos das mudanças climáticas têm um efeito cruel com as populações urbanas que vivem nas periferias, favelas e em situação de rua; destes 70% são negros e negras. Consequentemente, impera o racismo estrutural que concentra a população preta e periférica nos lugares de risco e com menor acesso às políticas públicas, estimulando a violência e feminicídio.
O trabalho continua sendo a “chave essencial de toda a questão social” (Cf. Laborem Exercens, 3) cada vez mais precarizado. O sistema capitalista estabeleceu a uberização e influenciou as perdas de direitos trabalhistas e previdenciários. O resultado disso tem sido desemprego, informalidade, baixos salários, adoecimento, acidentes que ocasionam sequelas e mortes. A insegurança alimentar e a fome são expressões emblemáticas de um sistema que acentua as desigualdades e ineficiência de políticas públicas. O trabalho escravo continua causando privação da liberdade, remuneração inadequada ou inexistente, ausência de segurança no trabalho, migrações, perdas de sonhos e dignidade humana.
As dívidas sociais apontam o retrato de uma economia “que exclui, degrada e mata”. Está organizada em torno da propriedade privada, dos bens e recursos produtivos e distributivos, na busca do máximo lucro e controle dos mercados, num ambiente marcado pela competição e pela exploração do trabalho e dos bens na natureza. O ataque à soberania nacional segue em curso com a submissão dos bens públicos e naturais ao capital internacional, ameaçando povos, territórios e a nossa democracia. Tendo a sangria de recursos públicos com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública um elemento central da arquitetura financeira global.
Acompanhamos com preocupação a agenda internacional que o Brasil está à frente, como o G20, COP30, que acontecerão ao longo de 2024 e 2025, os quais têm como pauta o aprofundamento da financeirização da natureza e dos bens comuns. Para enfrentar esses e outros desafios precisamos incidir na criação de mecanismos de participação popular, como a Cúpula dos Povos que privilegia a participação social e a formulação de propostas e incidência nesta agenda internacional.
Destacamos que os processos políticos, como as eleições municipais de 2024, devem ser uma oportunidade para dialogar e propor políticas nos municípios, apresentando nossas reivindicações em defesa dos direitos. As organizações sociais esperam, do atual governo, respostas concretas em relação à efetivação das propostas apresentadas pela SSB.
Reafirmamos que a participação popular ativa e a democratização do Estado estão vinculadas à força dos movimentos e organizações populares. Portanto, seguiremos resistindo ao modelo imposto pelo capital e construindo um projeto popular para o Brasil que queremos e o “Bem Viver dos Povos”. Como disse o Papa Francisco, “A solidariedade manifesta-se concretamente no serviço, que pode assumir formas muito variadas de cuidar dos outros” (Fratelli Tutti, 115). Vivenciamos a solidariedade na resistência das comunidades, dos pobres, pastorais e movimentos populares. O mutirão das organizações populares enfrentou a fome, os conflitos, o desemprego e o fascismo. Construímos redes de apoio e fraternidade porque acreditamos na força coletiva.
Diante disso, apresentamos as propostas de ações e incidência, voltadas para a Igreja e para a sociedade, cujos desdobramentos devem compor o Projeto Popular para o Brasil.
- Reforma tributária justa;
- Controle popular do orçamento público;
- Fortalecimento da democracia participativa, com enfrentamento ao fascismo e luta por reforma política;
- Lutar pela democratização da comunicação, com regulamentação das redes sociais e apoio a comunicação popular e comunitária;
- Defender a criação de um Sistema Universal de Seguridade e Proteção Social, que congregue os diversos direitos sociais;
- Fortalecer a Economia Popular Solidária;
- Combater a precarização do trabalho e o trabalho escravo, com destaque para a condição das mulheres;
- Formação para lideranças populares, agentes de pastorais para que sejam elas protagonistas na retomada sobre Moradia/Teto como direito, com foco no Estatuto da Cidade, políticas públicas e outras diretrizes sobre o Programa de Moradia.
- A Igreja deve estar mais presente nas periferias e favelas, a exemplo do que já acontece nas áreas do campo.
- Interiorizar as políticas públicas sociais, incentivando e valorizando os biomas e a convivência entre os povos originários e tradicionais, indígenas, ribeirinhos, migrantes, no urbano e rural;
- Priorizar processos educativos como elemento mobilizador e transformador que enfrente os desafios das desigualdades territoriais e da fome, superando a lógica do agronegócio que gera violência e exploração no campo e cidade, revendo a agenda política do Brasil, para reverter a lógica da financeirização e da mercantilização da vida, no que tange a energia, mineração e agronegócio, em vista da Reforma Agrária e Segurança Alimentar com Promoção Social.
Nesse processo da 6ª Semana Social Brasileira somos “Peregrinos da Esperança”. Queremos neste Projeto Popular para o Brasil, o “Bem Viver dos Povos”, celebrar o Jubileu da Terra, do Teto e do Trabalho no espírito do Ano Jubilar da Igreja em 2025, anunciado pelo Papa Francisco.
Reafirmamos a nossa comunhão e sintonia com o Papa Francisco, na construção de uma Igreja Sinodal, comprometida com os excluídos e excluídas. Seguimos confiante nas orientações e pastoreio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na sua missão de comunhão e partilha de cuidados com a Igreja Povo de Deus
Reafirmamos nosso compromisso com os povos do campo, das águas, florestas e cidades, na construção da reforma agrária popular, na demarcação dos territórios indígenas e comunidades tradicionais, garantindo soberania alimentar e o cuidado da criação.
Conclamamos a todas as pessoas de boa vontade e suas organizações a se engajar no Projeto Popular para o Brasil, fruto da 6ª Semana Social Brasileira. Seguiremos em “Mutirão para o Bem Viver dos Povos”, na esperança de que todos e todas tenham vida e vida em abundância (Cf. Jo 10,10).
Brasília, 22 de março de 2024
Poetisas e Poetas Sociais do Mutirão de encerramento da 6ª Semana Social Brasileira