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ARTIGO: 10 pontos sobre a conjuntura brasileira após o primeiro ano do governo Lula

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Artigo escrito por Frederico Santana Rick*.

Ponto 1

O terceiro governo Lula melhorou a economia e a vida dos mais pobres no seu primeiro ano.

Retomou políticas importantes, enfrentou os juros escorchantes do Banco Central, aumentou o salário mínimo acima da inflação, denunciou o genocídio Yanomami, deu resposta rápida e contundente com união entre os poderes e governadores contra os atos golpistas de 8 de janeiro, retomou o protagonismo brasileiro nas relações internacionais, atraindo investimentos, ciência e tecnologia, visitou quase todos países da América do Sul, retomou o Mercosul e o BRICS e indicou Dilma Rousseff para presidência de seu banco.

Além disso, tem pautado a tão urgente transição energética no Brasil e no mundo e o combate à fome e à desigualdade. Diminuiu significativamente o desmatamento na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado, além das queimadas no Pantanal.

Mudou a política de preços da Petrobras, reduziu a inflação, aprovou um arcabouço fiscal cujo mérito é ser melhor que o Teto dos Gastos, uma reforma tributária, que simplifica o sistema tributário e estava há 30 anos em pauta, montou um ministério com diversidade, ainda que aquém dos nossos sonhos, sustentou Nísia, Dino e Silvio Almeida de ataques da direita, que buscou derrubá-los, renovou a política de cotas e instituiu o 20 de novembro como feriado nacional da consciência negra, retomou os conselhos de políticas públicas e as conferências e colocou em pauta a necessidade de se aprofundar a participação popular nas políticas públicas, entre tantos outros aspectos positivos.

Ponto 2

O bolsonarismo se mostrou vivo, forte e atuante, mesmo na defensiva.

A extrema direita e suas ideias conservadoras e fascistas construíram forte identidade, senso de comunidade, pertença e adesão na sociedade brasileira. Os valores da direita presentes em toda história do Brasil ganharam corpo, se manifestando na política, nos hábitos de consumo, nas escolhas afetivas, nos gostos culturais, na vida em família, na escola e no trabalho.

Fortalecido nas eleições de 2020 e 2022,  esse setor ocupa força institucional relevante na direção de 14 estados, incluindo os três maiores do sudeste, na Câmara dos Deputados, no Senado, nas Assembleias Legislativas estaduais e nas Câmaras de Vereadores, na direção de inúmeras capitais e grandes cidades.

Por isso, a extrema direita tem conseguido aprovar projetos neoliberais e conservadores, no executivo e nos legislativos, como é o caso da Carteira Verde Amarela e o Marco Legal, a liberação de agrotóxicos, privatizações, escola sem partido e projetos de cunho machista e lgbtfóbicos.

Seguem predominantes em diversas redes sociais, com a indústria da desinformação a todo vapor. Os evangélicos, até o momento, seguem fiéis ao bolsonarismo. Nas recentes eleições para os conselhos tutelares em todo Brasil, a extrema direita atuou eficazmente em muitas cidades, muitas vezes envolvendo igrejas evangélicas e mandatos parlamentares, obtendo bastante êxito.

As pesquisas de opinião demonstram resiliência na adesão e avaliação positiva a figura do Bolsonaro, mesmo após o escândalo Yanomani, o escândalo das joias, a CPI dos atentados golpistas de 8 de janeiro, a retirada de seus direitos políticos e tantas outras denúncias. Integrantes das polícias militares, da PRF e das Forças Armadas em geral seguem fiéis às ideias e orientações do bolsonarismo.

Ponto 3

A direita tradicional, o centro e os meios de comunicação empresariais comprometidos com o neoliberalismo, fortalecem a extrema direita e o bolsonarismo.

A direita tradicional e seus veículos de comunicação insistem que se trata de uma polarização em que os dois pólos são igualmente extremados. Sabem que é mentira, mas insistem e difundem essa ideia na sociedade como forma de manter a esquerda sob controle. A culpa da polarização seria, portanto, dos dois lados. Não explicitaram para seu público nas eleições de 2018, e de lá para cá só o fazem quando convém, que Bolsonaro e seus seguidores são de extrema direita, defendem ideias fascistas e têm claramente um projeto autoritário e golpista.

Mesmo após o 8 de janeiro preservaram espaço abundante as ideias da extrema direita.

Condenaram ações judiciais e da PF apesar do claro amparo legal frente à gravidade dos crimes. Na área econômica a censura é total e as portas da mídia empresarial seguem fechadas para qualquer economista ou comentarista que não defenda o neoliberalismo.

No Congresso, o Centrão, cada dia mais à direita, faz extorsão a cada votação, ameaça com a desestabilização e a não aprovação dos projetos do governo, disputa a pauta e impõe desidratações profundas a toda e qualquer proposta que tramita na Casa. De maioria conservadora e preservando um polo de extrema direita, dão pouca margem para ação, quando o jogo se limita às negociações entre seus pares. Sem a pressão das ruas, comportam-se como se a vitória para o Executivo tivesse sido do projeto que defendem.

Esses setores, na economia, na política e na sociedade atuam de maneira a manter a esquerda na defensiva, atacando suas ideias a cada vez que essa levanta a voz e politiza ou busca avançar em medidas que democratizem o Brasil.  Disputam as ideias liberais diuturnamente, por meio da interpretação dos acontecimentos políticos, econômicos e sociais.

Fingem não perceber que defender o projeto econômico neoliberal é defender uma sociedade-sistema-mundo que degenera invariavelmente para o autoritarismo, aumento da desigualdade e da degradação social e ambiental. O neoliberalismo, enquanto pensamento político, teoria, ideologia, filosofia e também um sistema normativo, se entranha em todos os âmbitos da vida pessoal, em comunidade e na sociedade. Em razão de sua centralidade na maximização do lucro, além das consequências sociais, leva a humanidade para um abismo ambiental e ao seu próprio extermínio.

Ponto 4

A dimensão ambiental da crise do capitalismo atravessa o Brasil e torna urgente outro modelo econômico, mas não há sinais à vista.

As iniciativas e metas de redução na emissão de carbono, principal medida para frear e reverter o aquecimento global, são ignoradas e postergadas. Medidas paliativas são usadas como cortinas de fumaça. Promessas vagas denotam total distância entre a ciência e o poderio econômico que parasita governos e instituições.

No Brasil, o Congresso Nacional, dirigido pela bancada do agronegócio, das mineradoras e do capital financeiro, tem desonerado emissores de carbono, fragilizado a legislação ambiental e o controle dos agrotóxicos, perseguido as causas indígenas, perdoado grileiros, desrespeitado o Ministério do Meio Ambiente e pressionado por mais e mais financiamento para sua produção, que é insustentável ambiental, econômica e socialmente.

A reforma agrária, medida mais eficaz para o combate à fome e às mudanças climáticas, segue com iniciativas muito tímidas e longe de atender na escala necessária. Bem como nossas grandes reservas de lítio, mineral crítico importante para a transição energética, que segue sendo escoado sem nenhuma política de agregação de valor ou transferência de tecnologia, por iniciativa de governos estaduais neoliberais.

É preciso dar mais ouvido ao Papa Francisco: “já são irreversíveis, pelo menos durante centenas de anos, algumas manifestações dessa crise climática, como o aumento da temperatura global dos oceanos, a acidificação e a redução do oxigênio. (…) Pequenas mudanças podem provocar alterações importantes, imprevistas e talvez já irreversíveis, desencadeando uma série de eventos em cascata. Neste caso, chega-se sempre demasiado tarde, porque nenhuma intervenção pode deter o processo já iniciado. Não se pode voltar atrás. (…) Este cenário é seguramente uma possibilidade, se tivermos em conta os fenômenos já em curso que afetam o clima como, por exemplo, a diminuição das calotas glaciais, as alterações nos fluxos oceânicos, a desflorestação das selvas pluviais tropicais, o degelo do permafrost na Rússia”.

A COP 30, em 2025, que terá a tarefa de revisar as metas de cada país na redução da emissão de carbono e se coloca como momento muito decisivo para o futuro do planeta, será sediada na Amazônia e liderada pelo Brasil e especialmente por Lula, que tem se tornado a esperança do mundo nessa área.

Ponto 5

Pouco ou nada avançamos para romper com a tutela militar que marca de forma autoritária e decisiva a história e a política no Brasil.

Ao não resolver a questão militar, ela se mantém de prontidão ao golpismo, conspirando e se preparando para, no momento oportuno, avançar sobre as instituições. Golpes e tentativas de golpes militares estão presentes desde a Proclamação da República, passando pelo Estado Novo e o suicídio de Getúlio, a tentativa de impedir a posse de JK e Goulart, a imposição do parlamentarismo em 1961 e os golpes de 1964 e 2016.

A complacência do Ministro da Defesa com declarações e denúncias envolvendo centenas de militares em desvios, crimes, corrupção, roubos e tentativa de golpe é irresponsável. Não se deve tolerar a politização das Forças Armadas, nem relegar o debate sobre política de Defesa aos militares. É pouco favorável seguir alimentando os privilégios da categoria, os aumentos nos soldos e gratificações. Pior ainda é permitir a promoção na carreira e a ocupação de cargos estratégicos, como na ABIN, de profissionais sabidamente bolsonaristas e golpistas. A recente legislação das Polícias Militares dá mais autonomia e mais proximidade com as Forças Armadas negligenciando inúmeras recomendações de especialistas, o que agrava a violência institucional.

Ponto 6

Violência estrutural e conjuntural e a ausência de uma política de segurança pública eficiente são calcanhar de Aquiles do governo e da esquerda. 

A desigualdade, a fome, a pobreza, o racismo e o machismo, atravessados pela crise econômica e social, e pela polarização política, exacerbam a violência, que se manifesta na elevação do extermínio de jovens, negros e periféricos e no aumento da população carcerária, da violência contra as mulheres e da intolerância religiosa, sobretudo contra as religiões de matriz africana.

Nosso Sistema de Justiça, também nas mãos da burguesia, é cada vez mais pressionado a atuar na contenção dos mais pobres, servindo de aparato preventivo à explosão da rebeldia social.

Parte do problema, as Instituições de Justiça perpetram violências e discriminações de classe, raça e gênero. Perpetram também privilégios para si e os amplia, como a recente auto concessão de 10 dias de folga por mês para juízes. O falido combate às drogas agudiza o problema e criminaliza ainda mais a pobreza. Nem o governo federal, mesmo sob o comando de Flávio Dino, muito menos os governos estaduais, mesmo os da esquerda, oferecem soluções avançadas e estruturais para velhos problemas.

Ponto 7

A polarização é fato histórico e não se dissipará. 

Para enfrenta-la e ao populismo de direita é preciso fazer a disputa política por meio da defesa de um projeto popular e nacional de desenvolvimento que enfrente os reais problemas do povo. Há uma cristalização de dois pólos na sociedade. Aqueles que após a ditadura militar vinham sem condições de expressar e desenvolver sua cultura política, encontraram partido, liderança, e a canalização de seus valores, angústias e afetividades. Agora, organizam e influenciam um terço da sociedade, sobretudo as elites e setores médios, mas também parcelas significativas da classe trabalhadora. Por outro lado, o petismo e o lulismo, hegemônico na esquerda brasileira, também tem adesão de um terço da população e conformam igualmente uma cultura política e uma identidade consistente. Ambos dotam seus integrantes, simpatizantes e admiradores de uma chave de leitura de mundo, e com ela, por tabela, a adesão a posicionamentos sobre temas diversos.

A polarização transborda em “problema social” na medida em que um dos polos, de extrema direita, semeia e cultua a figura do inimigo que precisa ser eliminado e dissemina o ódio. Ao difundir tal ideologia, estabelece fronteira intransponível entre os indivíduos, e os aparta do convívio com o conjunto da sociedade, criando um mundo próprio que irá se expressar e moldar preferências políticas, culturais, sociais, afetivas, comerciais e profissionais. Oferecendo soluções fáceis para os problemas, e identificando no outro e suas ideias o problema a ser combatido, o inimigo interno, mobilizando afetos e rancores. Explorando questões morais e os símbolos nacionais, mobilizam multidões convictas de estarem do lado do bom, do justo e do correto, quando na verdade estão do lado da manutenção da desigualdade, do cerceamento à liberdade, da opressão, do autoritarismo e da violência.

Não se vence o populismo de direita e a crise do capitalismo com moderação, republicanismo despolitizado e posições centristas. As classes trabalhadoras estão desiludidas com o sistema político, com a economia e com os políticos, sobretudo com esses e seus partidos. Ainda há espaço e vez para a negação da política, outsiders, messias, heróis e salvacionistas, como Milei, na Argentina, ou o PVV na Holanda, extremistas de direita vitoriosos em eleições em seus países em novembro de 2023.

As derrotas para a extrema direita mundo afora ensinam que a população não quer mais do mesmo e tem pouca paciência. A estagnada e recuante avaliação positiva do governo Lula, mesmo com a melhoria dos indicadores econômicos e sociais, segundo as últimas pesquisas, podem sinalizar essa impaciência.

É preciso fazer a disputa de projeto no campo econômico, social, político, cultural, ambiental e ideológico.

Ponto 8

Está no centro da disputa política no Brasil a disputa de ideias, valores e projeto de sociedade.

 No entanto, governo federal e esquerda não tem feito. Em uma sociedade fraturada, com um terço dela identificada com a esquerda e outro terço com a direita, é preciso ter atenção ao terço que não se posiciona nem com uns, nem com outros. A disputa de ideias desse terço da população “não posicionado” adquire importância.  A disputa de ideias hoje se complexifica e acontece por diferentes plataformas e meios, quase todos eles instantâneos, organizando o consumo, o lazer, a vida financeira e amorosa, as relações de amizade e familiar, a vida política e até religiosa.

Reféns de pouquíssimas megaempresas que dominam as redes no mundo, em que pese o aprendizado jurídico e prático, por parte do STF e TSE, nas eleições de 2018 e 2022, a extrema direita segue encontrando vantagens advindas de algoritmos que impulsionam mentiras e ideias conservadoras. E, sobretudo pelo vasto patrocínio que tv´s, rádios, jornais, canais de Youtube e perfis em redes sociais recebem de empresários, do agronegócio, das mineradoras, dos governos de direita e de esquerda. Presentes na Frente Ampla, o repasse de recursos públicos para as famosas seis famílias que controlam os veículos de comunicação comerciais aumentaram no primeiro ano do terceiro governo Lula.

Não há, por outro lado, por parte do governo, nenhuma política de fomento e sustentação das mídias populares, alternativas e comunitárias. Veículos de esquerda que sobreviveram a Temer, Bolsonaro e pandemia estão fechando redações. A composição ministerial, com poucas exceções, não é mobilizadora, são bons gestores e têm a confiança do presidente e experiência. Mas, quantos mobilizam a esperança, a utopia e politizam ao defender o projeto?

Nosso melhor jogador segue sendo Lula, que em alguns pontos tem se posicionado e politizado positivamente como nunca, pontuando sempre o lado dos trabalhadores. O que deveria autorizar aos demais postura semelhante. Também Gleisi, Dino e Silvio Almeida fazem bem a disputa de projeto e valores. Mas não todo governo. Falta enfrentar a mídia comercial e investir na mídia pública, estatal, popular, comunitária e regional. E falta um combate pesado às fake news. Nada disso foi feito nesse primeiro ano.

Ponto 9

Após dez anos de defensiva, faltou unidade e ação para que a esquerda abrisse novo ciclo ofensivo. 

Estamos vindo de um longo período de defensiva, que se inicia em 2013, com as mobilizações de junho, a queda forte do PIB em 2014 e 2015, o golpe do impeachment em 2016, e a prisão de Lula em abril de 2018 e eleição de Bolsonaro em outubro. São dez anos de recuo, retirada de direitos, sucateamento do Estado, privatizações e disputa ideológica vigorosa no seio da sociedade.

A vitória eleitoral e política em 2022 foi enorme para o Brasil e o mundo. Mas segue na sociedade a disputa política. O fim do período de defensiva está em aberto, e passa pela derrota eleitoral, a cassação dos direitos políticos e possível prisão de Bolsonaro. E, a depender da atuação das forças populares, do partido e do governo.

Um balanço de 2023 precisa se perguntar se o ano foi favorável à abertura de um novo ciclo, agora de ofensiva da classe trabalhadora, com Lula e o PT na presidência da República.

Em 2023 o governo pautou a luta política com temas caros aos movimentos, como diminuir juros, aumentar o salário mínimo, taxar super-ricos e a reforma tributária. Mas, por parte do governo e dos partidos, a ação nasce e vive ou morre entre as paredes do Palácio e o Congresso, sem o envolvimento da sociedade e sem pressionar via mobilizações populares.

O que lhes impõem enorme desidratação, levando a aprovação de um arremedo da proposta original, já limitada no berço pelo pensar com “cabeça de Frente Ampla” que guia o governo. Fora as iniciativas do governo, em 2023, destacou-se a Marcha das Margaridas, as ocupações do MST e a ida do João Pedro Stédile à CPI contra o movimento na Câmara Federal.

Em muitos estados, as lutas populares se concentraram em enfrentar os governos neoliberais estaduais, com políticas de arrocho, privatizações, práticas anti-sindicais, criminalizações, em contexto de maiorias governistas e conservadoras nas Assembleias Legislativas. A luta das professoras, metroviários, eletricitários, sanitaristas e servidores públicos em geral tem sido de combatividade e resistência, em todo Brasil.

A luta pela prisão para Bolsonaro, expressa na palavra de ordem sem anistia, de forte apelo social para parcela da população, não conta com trabalho consistente e organizado por parte da esquerda para ganhar o conjunto da sociedade para a importância de se fazer justiça no julgamento dos crimes cometidos enquanto presidente. Entre outros motivos, porque a esquerda segue padecendo de um fórum unitário compatível com o atual quadro e arranjo de forças, que se reorganizaram a partir do terceiro governo Lula, que aglutinou na Frente Ampla quase que sua totalidade.

Ponto 10

Balanço: sem mobilizações de massa e programa, esquerda não aproveitará a oportunidade que se abriu com Lula. 

O momento exige mais trabalho de base urbano, organização popular, formação política e lutas de massa. Melhoria das condições de vida favorecem a capacidade de luta e influenciam no “humor” da população com o presidente, o governo, e também em maior ou menor abertura para as ideias da extrema direita.

A polarização tendo em um dos pólos a extrema direita é sempre um perigo. É preciso, todavia, reconhecer a polarização como estrutural da nossa sociedade, tendo atravessado os últimos dois séculos da luta política no Brasil. Frente a essa sociedade polarizada é preciso apresentar horizontes que demonstrem rebeldia, acenem para o longo prazo, rompendo e tensionando os estreitos limites da política como a arte do possível.

Fora das salas e casas com ar condicionado, há muitos que estão com urgência de aplacar a fome, a dor, a miséria, a angústia e a incerteza no futuro. Para quem o conceito de correlação de forças diz pouco ou nada. A potência do petismo e do lulismo é enorme, e representa um ponto de partida muito valioso e promissor. É preciso querer impulsioná-lo. Está na ordem do dia iniciativas de formação e orientação clara de ações, com espaço para criação e originalidade. Os comitês populares, escolas de formação, jornais, blocos de carnaval e cozinhas populares devem ser estimulados.

A pacificação e a governança a frio não acumulam força. Ao contrário. A esquerda e o governo precisam se preocupar com o fato de que para 2024 não se prevê os fatores que impulsionaram a economia em 2023. Não teremos os mais de R$100 bilhões da PEC da transição, os aumentos substantivos do salário e do Bolsa Família, aumento do valor das commodities e expansão da produção do agronegócio – cada vez mais ameaçado pelas mudanças climáticas – e nem a diminuição do desemprego. O arcabouço fiscal, que começará a vigorar, limita investimentos e exige superávits e arrochos, e até se mexer nos mínimos constitucionais destinados à saúde e à educação.

A instabilidade internacional coloca mais riscos à economia do ano que vem e a previsão é de um crescimento tímido, próximo a 1%. Esse contexto trará prejuízos à luta política e social, e afetará as eleições de 2024. Não há como derrotar o bolsonarismo sem melhorar a vida das pessoas.

O novo governo Lula é uma janela histórica para as forças populares, uma oportunidade para acumular forças, e não permitir que o neofascismo se entranhe ainda mais na sociedade brasileira. Nos limites do neoliberalismo essa tarefa não é possível, competindo às forças populares tirar o Brasil das mãos dos sequestradores, o capital financeiro.

Sem massas nas ruas não romperemos com o neoliberalismo, sem romper não teremos um projeto soberano e sustentável politicamente, com a ação decidida do Estado, crescimento elevado e distribuição de renda, colocando fim a privilégios e realizando reformas estruturais.

O Brasil tem todas as condições para se tornar essa grande nação, o momento é de oportunidade e precisamos agarrá-la.

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*Frederico Santana Rick é sociólogo, graduado pela UFMG, mestre em ciências sociais pela PUC Minas, integra o Coletivo de Fé e Política da Arquidiocese de BH, é militante do Movimento Brasil Popular e íntegra a coordenação do Plebiscito Popular em Defesa das Estatais