Roberto Jeferson Normando, natural de Campina Grande-PB, atuante nas Pastorais Sociais, membro da coordenação colegiada da Escola Diocesana de Fé e Política de Campina Grande-PB, coordenador executivo do Observatório Social do Nordeste, membro da Rede de Assessores do CEFEP e membro da Articulação Brasileira da Economia de Francisco e Clara, escreve artigo falando sobre a necessidade de uma renovação da pastoral social e uma conversão pastoral permanente.
Abaixo, segue a integra do artigo:
Por uma renovada Pastoral Social
Mística e Comunhão
“Jesus disse para o homem da mão seca: Levanta-te! Vem para o meio!”
(Mc 3, 3)
“Evangelizar é tornar o Reino de Deus presente no mundo”
(Papa Francisco – Evangelii Gaudium, 176)
Falar da pastoral social é falar da dimensão social do evangelho, a dimensão integrativa de toda ação evangelizadora da Igreja, é falar das consequências do mandato evangélico de amar a Deus e ao Próximo, ou seja da vivência cristã no mundo. É o seguimento ao Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado na construção de uma sociedade fraterna e sem exclusões.
A mística do/a agente de pastoral social é a do seguimento do Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado, assim como testemunhou São Francisco e Santa Clara de Assis, São Óscar Romero, Santa Dulce dos Pobres, Margarida Maria Alves, Padre Ibiapina e tantos outros/as discípulos/as missionários/as que mergulharam no encontro com os pobres, com os excluídos/as, com as dores deste mundo, mundo criado por Deus que é amor e nos convida a recriar, reconciliar, a sermos instrumentos de paz e do diálogo a serviço do Reino. Mística alimentada no dia a dia por uma vivência orante, contemplativa da palavra de Deus e da realidade, uma vivência que requer abertura. autocrítica, conversão, disponibilidade missionária e profética que nos faz ser sal da terra e luz no mundo testemunhando a Fé Pascal. Nossa páscoa na páscoa de Jesus, como nos ensinou Dom Pedro Casaldaĺiga.
O/a agente de pastoral social é chamado/a a testemunhar a vivência da páscoa, essa conexão com todo o mistério pascal e trinitário que nos faz comunidade e nos insere no mundo com todas as suas contradições na perspectiva de uma igreja em saída, de sermos instrumentos da paz e da justiça.
Uma vida de oração, encontro pessoal com um Deus que é uno e trino, que é comunidade e que se encarnou na realidade humana, assumindo todos os nossos sofrimentos e esperanças, nos faz agentes de pastoral social profundamente místicos, agentes de pastoral que dedicam suas vidas nas mais variadas áreas de exclusão e desigualdade social e ambiental, na luta por direitos, na luta pela Terra, pelo Teto e pelo Trabalho – os três Ts do Papa Francisco, na luta pela realização da dignidade humana, essa missão nos pede um abandono total nas mãos do Pai. Quanto mais serviço, mas deve ser o nosso abandono nas mãos de Deus, de um Deus que é mãe, como disse o Papa João Paulo I.
Nos mestres da meditação cristã, encontramos:
“Jesus uniu a sua atitude de oração interior total e sua longa atividade de oração com uma vida pública sem descanso. E a tradição mostrou, muito ao contrário de algumas afirmações superficiais, que a maior atividade social exige personalidades fortes, fortemente unificadas e capazes de renovarem constantemente as suas energias interiores. A maior intensidade de trabalho exige um profundo recolhimento interior e uma atitude de oração permanente.” (conf. Meditação Cristã, John Main)
Quanto maior a vida pública de militância, de engajamento pastoral, maior deve ser a nossa vida interior, uma vida conectada com Deus e por causa dele e com ele a vida pública, pastoral e militante acontece no engajamento da opção preferencial pelos pobres, denunciando as injustiças e suas causas e colaborando no espaço público e da política; na construção de políticas públicas, na organização do povo para lutar por seus direitos, na promoção de ações, campanhas solidárias para socorrer aos que passam fome e marginalizados de toda sorte, no cuidado com a nossa Casa Comum, que se desdobra em políticas sociais e econômicas que tenham a integridade da criação – a ecologia integral e a plena realização dos direitos humanos, assim como nos aponta o Papa Francisco na sua Carta Encíclica Laudato Si, como objetivos centrais.
O Papa Francisco refletindo o sermão das bem aventuranças na sua Exortação Apostólica sobre a Santidade Gaudete et Exsultate no seu número 79 nos mostra como a dimensão sociotransformadora é parte constitutiva de toda ação evangélica e evangelizadora da Igreja:
“Esta justiça começa a se tornar realidade na vida de cada um quando se é justo nas próprias decisões, e depois manifesta-se na busca da justiça para os pobres e vulneráveis. É verdade que a palavra “justiça” pode ser sinônimo de fidelidade à vontade de Deus com toda a nossa vida, mas, se lhe dermos um sentido muito geral, nos esquecemos de que se manifesta especialmente na justiça com os inermes: “Aprendei a fazer o bem, buscai o que é correto, defendei o direito do oprimido, fazei justiça para o órfão, defendei a causa da viúva. (Is 1,17).”
Aqui podemos afirmar que o trabalho pela justiça social e ambiental, é um desdobramento do seguimento a Jesus Cristo e a sua palavra no encontro com as várias realidades deste mundo, assim como no Êxodo, Deus escuta, vê, conhece o sofrimento do seu povo, desce ao seu encontro e envia. Também nos deparamos com essa experiência nas pastorais sociais específicas, aquelas que estão junto com os/as trabalhadores/as sem terra, na luta por uma agricultura familiar e agroecológica, com os sem teto, nas mobilizações pelo direito à moradia digna, na organização dos/as trabalhadores/as, nas organizações da economia solidária, com os/as desempregados/as, com os encarcerados, que estão nas prisões, com os moradores em situação de rua, na acolhida aos imigrantes e refugiados/as, na acolhida aos dependentes químicos e alcoólatras, na defesa das crianças e idosos/as, nas favelas e periferias, com as juventudes, na pastoral da saúde lutando por uma saúde de qualidade para todos/as, nas visitas aos hospitais e aos doentes, na organização dos/as pescadores/as, junto a pastoral da mulher marginalizada, na defesa dos povos originaŕios e quilombolas, na luta contra o racismo e as discriminações, na formação de lideranças através das escolas de fé, política e cidadania e outros espaços formativos, na defesa da ética na política, na convivência ecumênica e na promoção do diálogo inter-religioso, nas iniciativas da Cáritas e outros organismos de promoção humana, enfim, em tantas outras áreas que a realidade vai clamando que a presença da pastoral social se faça acontecer de forma profética, missionária e solidária.
É injusta a acusação de que as pastorais sociais, não rezam, não evangelizam, aqui reconheço que em algumas situações alguns e algumas agentes de pastoral tenham perdido a razão evangélica do seu trabalho, assim como também encontramos em alguns grupos uma defesa da “espiritualidade” mas uma espiritualidade totalmente descomprometida com a dimensão social do evangelho. Mas não se pode julgar o todo, por algumas situações. Sim, as pastorais sociais e nós, seus/suas agentes, com nossas virtudes e falhas, erros e acertos no cotidiano de nossa missão, procuramos viver essa mística como comprometimento ao seguimento do Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado, mística profundamente pascal, na condição de batizado e batizada em comunhão com a sua Igreja Povo de Deus, comprometidos/as com toda a renovação conciliar do Vaticano II, reforçada pelas conferências do episcopado latinoamericano e pela doutrina social da igreja.
Por fim e sem conclusão, porque há muito por dizer e por fazer para uma renovação da pastoral social, uma conversão pastoral que deve ser permanente, como nos pede a conferência de Aparecida, aqui quis refletir sobre a vivência da mística como princípio para qualquer renovação e para o trabalho pastoral, missionário e solidário no dia a dia da missão. Sugiro algumas experiências para o aprofundamento dessa mística, tanto de uma forma pessoal, como comunitária: a eucaristia como fonte, ápice e partilha, como também a leitura orante da palavra de Deus, do exame de consciência, a meditação cristã que nos leva ao cuidado do corpo e da mente de forma diária, a meditação como forma de rezar sem dizer nada, simplesmente ficarmos na presença de Deus, os exercícios físicos, o silêncio como a expressão mais íntima de abandono e a prática do Ofício Divino das Comunidades de forma pessoal e comunitária. Reserve sempre um momento de cada dia para essas práticas que nos ajudam a ter uma vida interior plena de intimidade com Deus e com o seu povo.
“Mais que comum dos dias, olhei o mais que pude os rostos dos pobres, gastos pela fome, esmagados pelas humilhações, e neles descobri teu rosto, Cristo Ressuscitado!” (Dom Helder Câmara).
Roberto Jefferson Normando
Formação em Filosofia
Membro da Coordenação da Comissão Diocesana de Pastoral para a as Pastorais Sociais da Diocese de Campina Grande-PB
Membro da Rede de Assessores do Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Câmara – CEFEP/CNBB
Membro da Economia de Francisco e Clara – ABEFC