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Campanha da Fraternidade e a Quaresma por Roberto Jeferson Normando

“Neste sentido, a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza (2 Co 8.9)”

Discurso inaugural do Papa Bento XVI da V Conferência do Episcopado Latino-Americano em Aparecida 


Dizei aos cativos: “saí!”
Aos que estão nas trevas: “vinde à luz!”
Caminhemos para as fontes,
É o senhor quem nos conduz!
Hinário da CNBB

 

Quaresma é um tempo de conversão, revisão de vida, mudança; tempo de nos voltarmos para o Senhor, de meditarmos a sua vida, paixão, morte e sua ressurreição e, nesta meditação, nos abrirmos para uma vida de conversão, perdão, reconciliação e seguimento da Boa Nova da Páscoa, que a tudo transforma e gera vida plena. Na quaresma recordamos com mais força a caminhada do Povo de Deus, a sua experiência de uma vida de escravidão no Egito, o chamado de Moisés para libertar o Povo e guiá-lo à Terra Prometida, uma experiência de libertação vivida sob e com Um Deus que vê, que escuta, que sente o sofrimento do seu Povo e desce para socorrê-lo, para caminhar junto. Da mesma maneira, lembramos os 40 dias em que Jesus passou no deserto sob as tentações, a dor, a angústia, e também a certeza que Deus estava ali o tempo todo. A experiência da libertação do Egito e da vitória de Jesus sobre as tentações, demonstra claramente que este tempo de Quaresma é um tempo profundamente ligado a todas as dimensões da vida humana. Portanto, tal prática espiritual só pode ser plena se estiver ligada a vida como um todo, ou seja, se somos plenamente humanos, somos plenamente espirituais.

A prática quaresmal, como aponta o evangelho da quarta-feira de cinzas, é e deve ser uma prática que não dissocia a dimensão espiritual da dimensão social; uma alimenta a outra e, ambas nos ajudam a compreender a conversão como resposta pessoal e comunitária, que muda completamente a vida, consequentemente nos fazendo sal e luz no mundo.

Que mundo é este? Quais os seus problemas, como vivem os/as filhos/as de Deus neste mundo? Como ser sal e luz neste mundo? Ser cristã/ão neste mundo é assumir  o testemunho da radicalidade do amor de Deus; de um Deus que se fez pobre, habitou entre nós, assumiu as nossas dores e pecados, foi crucificado e morreu por nós, ressuscitando ao terceiro dia, mostrando de maneira veemente que a vida vence todo tipo de morte e liberta de toda escravidão.

A nossa Fé é profundamente Pascal, e é por isso que o anúncio da boa nova transforma nossas vidas e consequentemente deveria modificar as estruturas de nossa sociedade, caminhando para uma sociedade mais humana, fraterna e justa, onde a plenitude da vida seja garantida para todos e todas.

A conversão tem consequências sociais sim! Se não tiver, não houve conversão, e a prática quaresmal não foi vivida na sua plenitude.

A palavra de Deus, o magistério da Igreja, o testemunho dos/as santos/as e mártires, colocam claramente que essa dupla dimensão do encontro pessoal com  Jesus Cristo pobre, crucificado e ressuscitado, só se realiza plenamente no encontro com os irmãos/ãs.

A Campanha da Fraternidade, a cada ano, nestes quase 60 anos de sua realização, coloca um tema social, justamente para ajudar a vivência quaresmal na sua dimensão da solidariedade, das consequências do nosso agir na sociedade.

A Campanha é uma oportunidade para compreendermos a dimensão social da evangelização. Assim diz o Papa Bento XVI na sua Encíclica “Deus Caritas Est” no seu número 20 “ no seio da comunidade dos crentes não deve haver uma forma de pobreza tal que sejam negados a alguém os bens necessários para uma vida condigna”.

Já na Encíclica “Caritas in Veritate”, no seu número 7, seguindo o espírito da  Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II, o Papa Bento nos diz:

Depois, é preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É daquele “nós todos”, formado por indivíduos, famílias e grupos intermediários que se unem em comunidade social.

A Campanha de 2021, se realiza em comunhão com outras Igrejas Cristãs, CNBB e Conselho Nacional de Igrejas Cristãs – CONIC, realizando a quinta edição da Campanha ecumênica. Gesto de unidade e de esforços para superarmos as barreiras da intolerância e do medo, ao mesmo tempo em que se renova o compromisso fortemente assumido pela renovação conciliar do Vaticano II com o ecumenismo que nos reconhece como irmãos/ãs na mesma Fé.

Sem abrir mão da identidade de cada um, nos colocamos no mesmo caminho de seguidores e seguidoras do Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado. A campanha deste ano coloca como tema central o diálogo, inspirada na citação do evangelho “Cristo e? a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade”. (Ef 2,14a) e deseja instar um processo de conversão  que, mais uma vez, reafirma a nossa vocação para a vivência fraterna, para a vivência em comunidade, para a busca de uma sociedade em que não haja exclusão social e nenhum tipo de discriminação. Por isso, o tema é nada menos que uma provocação evangélica! É um convite para a cultura do encontro e do diálogo, como o Papa Francisco, desde o começo do seu ministério petrino, vem nos convidando a descobrir e redescobrir.

Todos os Papas apoiaram e enviaram mensagens a cada edição da Campanha da Fraternidade. Renovemos o nosso compromisso pastoral com a ela!

O diálogo nos leva a reconhecer o outro, a escutá-lo, a caminharmos juntos/as, mesmo nas nossas diferenças; nos leva ao testemunho do amor ao próximo.

Estamos numa conjuntura de muitas crises, de muitos gritos e ódios e de pouco diálogo, o medo de conviver com o diferente pode representar, muitas vezes, a falta de solidez naquilo que se professa. Só quem não possui uma fé profunda pode ter medo de se abrir ao outro e perder a sua identidade.

Numa sociedade profundamente desigual e excludente, o diálogo se torna ainda mais fundamental para encontrarmos os caminhos para a realização do bem comum, o ideal de justiça que os profetas desde os tempos bíblicos anunciavam.

O gesto de solidariedade expressado pela coleta do Domingo de Ramos, é nada menos que um gesto de doação e apoio para as iniciativas que priorizem a redução da pobreza e a possibilidade de contribuir nos processos de mudanças sociais que se conectam com a realização da vida plena para todos e todas.

Negar tudo isso, é negar a dimensão transformadora da nossa fé; é negar as consequências do amor, de um verdadeiro encontro que tudo transforma; é negar as consequências de uma verdadeira e plena conversão que é, e sempre será, caminho, seguimento ao Cristo Pobre, Crucificado e Ressuscitado.

Por fim, a Campanha da Fraternidade, e a sua versão ecumênica, nos chamam a radicalidade do amor, fruto de um processo de conversão pessoal e comunitário ao mesmo tempo. Por isso a Campanha não poderia se realizar em outro tempo, porque  é  profundamente quaresmal, uma experiência que nos leva ao encontro do outro.

Que a Campanha da Fraternidade Ecumênica de 2021 nos ajude a renovar o compromisso com o diálogo, com a renovação do Concílio Vaticano II e com o movimento ecumênico para novas iniciativas de solidariedade e construção de uma sociedade com justiça social e ambiental.

Caminhemos!

 

Roberto Jeferson Normando

Roberto Jeferson Normando

Roberto Jefferson Normando

Formação em Filosofia
Coordenador da Escola de Fé e Política Dom Manuel Pereira
Coordenador Executivo do Observatório Social do Nordeste
Membro do Encontro Economia de Francisco – ABEFC
Membro da Rede de Assessores/as do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Câmara – CEFEP/CNBB