HUMANISMO SOLIDÁRIO PELA VIA DA EDUCAÇÃO
Eugênio Magno
Comunicólogo e membro da Rede de Assessores do CEFEP
Os ataques de que a educação é vítima não são fatos novos. Ao longo da história, desde sua descoberta como possibilidade e sistematização como área de conhecimento, sobretudo, a partir da criação da escola, a educação vive a condição de ser portadora de contradições: avanços e retrocessos. Por essa e outras razões, tão criticada e, em certas circunstâncias, vilipendiada. De quando em vez observamos acenos alvissareiros que logo são sequestrados pelo capital ou dissolvidos por uma excessiva endogenia acadêmica.
Educação e escola vêm sendo confundidas, fundidas e amalgamadas de tal forma, por agentes internos e externos ao seu próprio campo, que no imaginário popular é senso comum interpretá-las como sinônimas. Apesar dos esforços de teóricos e gestores comprometidos com a causa educacional, a situação se agrava progressivamente e a correnteza que arrasta hora uma e hora outra, para o brejo, ofusca conquistas e achados importantes que poderiam, ao contrário, apoiá-las, reposicionando-as aos seus devidos e merecidos lócus. Se assim não fosse, mas é possível que esse quadro venha a se reverter, escola e educação poderiam ser interpeladas uma pela outra e, provocadas por uma sociedade que as distinguisse, fazer irromper uma pedagogia capaz de libertar a própria educação, a escola e, consequentemente, as instituições e seus líderes, dos vícios que as enredaram. São muitas as práticas sociais que são importantes demais para merecer apenas o cuidado de governos, de ministérios e dos experts. A educação é um desses campos que não pode prescindir de uma ampla rede de contribuições, para além da pedagogia disciplinar, curricular. Carece de aportes que transcendam o universo acadêmico e contemplem saberes e fazeres – práxis – da ordem do familiar, do comunitário, do cultural, da terra – nossa casa comum –, da antropologia, da geopolítica, das artes, da ancestralidade, da ética, dos valores e virtudes e, porque não, do espiritual.
É, no mínimo, curioso observar de onde e com que pujança emerge o chamado planetário para repensar a educação. Ironicamente, ele vem justamente de uma das mais criticadas instituições mundiais, a Igreja Católica, que carrega ônus e bônus na condução de processos educativos pelos quatro cantos do mundo. Mas o que pode ser visto como paradoxal, é providencial e tem como protagonista o mais importante líder mundial da atualidade, o papa Francisco que, em visita aos países unidos dos Emirados Árabes assinou um documento sobre Fraternidade Humana, que propõe uma mudança de mentalidade em escala planetária por meio da educação.
No ano em que se comemora o quinto aniversário de lançamento da encíclica Laudato Si – documento que trata do consumismo e das questões climáticas e ambientais –, o sumo pontífice encaminha então mais uma das grandes ações contempladas no referido documento apostólico de apelo à unificação global. Neste ponto me refiro, precisamente, ao Pacto Educativo Global que, discutido em 2019, está sendo difundido mundialmente, pelo Vaticano, desde maio deste ano, de forma supraconfessional. Seu principal objetivo é recuperar o humanismo e posicionar a vida de todos os seres (humanos, animais, minerais e vegetais), da terra, da água, do ar e do céu, tendo a pessoa humana como centralidade do aprender, do educar, da partilha de saberes e conhecimentos.
Inspirado pelo provérbio africano “para educar uma criança é necessária uma aldeia inteira”, o papa propõe uma educação que permita relações abertas e fraternas, o que expressa a urgente necessidade de que toda a sociedade renove o compromisso de assegurar às gerações futuras uma educação voltada para a fraternidade e o diálogo. Escolas, universidades e a comunidade mundial estão sendo chamadas para promover estudos e reflexões sobre essa proposta. O Pacto Educativo Global, em essência, faz mais do que um apelo ou chamado, seu texto convoca e intima cada pessoa de bem para “se tornar protagonista desta aliança, assumindo compromisso pessoal e comunitário de cultivar, juntos, o sonho de um humanismo solidário, que corresponda às expectativas da humanidade e ao desígnio de Deus”.
É em boa hora que o Brasil, nestes tempos sombrios, recebe o anúncio dessa boa nova, para a qual deve abaixar a guarda e atendê-la, sem preconceitos e mi mi mis, mas de peito aberto, com “a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranquilo”.