Santa Dulce dos Pobres: uma inspiração para o Sínodo da Amazônia
Daniel Seidel[1]
Não acredito em coincidência, mas em ação de Deus na história… Estava participando das atividades da Tenda “Amazônia Casa Comum” e uma senhora brasileira entrou e perguntou: é aqui que vai falar sobre a vida da Irmã Dulce, a santa brasileira, que será canonizada no domingo?
A partir daí, passei a rezar e a meditar como a história e o testemunho de vida de Irmã Dulce é inspiração para a caminhada do Sínodo da Amazônia que se realiza de 6 a 27 de outubro em Roma. Compartilho as ideias que o Espírito de Deus me soprou…
Maria Rita de Souza Lopes Pontes, nome civil de Ir. Dulce, começou cedo. Aos 13 anos, quando suas tias proporcionaram que ela conhecesse um pouco a vida dos prediletos de Deus, o coração da jovem ardeu… Como poderia ter pessoas (homens, mulheres, crianças e pessoas idosas) vivendo naquela situação indigna? É preciso conhecer de perto e se sensibilizar para amar profundamente. Quantas pessoas conhecem de fato o que está acontecendo na Amazônia e com seus povos, especialmente com os Povos Indígenas? É preciso tocar a realidade sem filtros, aproximar-se e se deixar interpelar pelo coração de Deus.
Uma das inspirações da vocação de Irmã Dulce foi a vida de Santa Teresa do Menino Jesus e seus pequenos atos de amor. E assim começou a jovem religiosa, cuidando de cada pessoa com sua história e trajetória, buscando soluções apropriadas para cada situação. Recordo-me das e dos missionários, principalmente do CIMI[2], quantos que, anonimamente se enfronharam pelas aldeias indígenas, fazendo-se um com eles? Eles viveram e encontraram soluções próprias para cada povo e aldeia, numa inculturação que buscava expressar o amor-ágape do Deus-Emanuel, presente no meio dos pobres, em pequenos gestos.
Quanto mais ela atendia aos pobres, maior número deles buscava por ela, foi quando, buscou organizá-los. Criou o Sindicato dos Trabalhadores de São Francisco, incentivando a própria organização dos excluídos de seu tempo. E quando buscava soluções coletivas para o enorme número de necessitados foi maltratada e sofreu despejos, ou seja, Irmã Dulce também não foi compreendida pelas autoridades de seu tempo. Quantos missionários, organizações e, mesmo a própria Igreja na Amazônia e o Papa Francisco, hoje, não são entendidos por muitos setores da sociedade e governos, como fazendo algo urgente e necessário?
Irmã Dulce por causa dos pobres dialogava e incidia, solicitando recursos e apoio para os serviços que prestava gratuitamente, não importava se fossem políticos ou empresários… e por causa disso era criticada. E hoje, quanto se realiza a incidência política junto ao Supremo e aos parlamentares no Congresso Nacional para que cessem as invasões nas Terras Indígenas, para que não se permita mineração nas áreas de reserva e territórios tradicionais, para que não avance a tese do “marco temporal”, para que haja consulta prévia, livre e informa antes da implantação de projetos que destroem o modo de vida dos povos indígenas e comunidades tradicionais: quantos não se ocupam apenas em criticar, ao invés de “arregaçar as mangas” e se somar?
O caminho das respostas concretas foi aquele que Irmã Dulce sempre escolheu, usando também algum gesto explícito em relação a situações inaceitáveis de injustiça social que ela via em sua cidade. “O amor supera todos os obstáculos, todos os sacrifícios”, dizia. Possamos nós também, padres sinodais, toda a Igreja e pessoas de boa vontade, assumir compromisso de vida profundo em favor da Amazônia e de seus povos, pela salvação do mundo, transformando essa adesão ao projeto de Jesus em ações concretas, coletivas e pessoais, mobilizando a opinião pública para que possa conhecer a Amazônia e, assim, amar, protegendo-a da ganância dos poderosos de hoje e de ontem.
Que o grande exemplo em ajudar as pessoas que viviam em situação de pobreza, suas ações concretas, o amor que Dulce nutriu pelos outros permaneça vivo, agora e para sempre, nos altares e em nossos corações, para com isso, iluminar com a luz, que ela reflete do Pai, a vida das pessoas e os novos caminhos para Igreja e para uma Ecologia Integral na Amazônia.
Santa Dulce dos Pobres intercedei por nós!
Roma, Itália, 13 de outubro de 2019.
Canonização de Santa Dulce dos Pobres.
[1] Daniel Seidel, 52 anos, é cristão leigo, mestre em Ciência Política e membro da CBJP/CNBB e da CJP-DF, da assessoria da REPAM-Brasil, da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política, da assessoria do CEFEP/CNBB e da Comissão Fé e Política do CNLB – Conselho Nacional do Laicato do Brasil.
[2] CIMI – Conselho Indigenista Missionário (www.cimi.org.br)