O assessor do CEFEP e diretor do Núcleo de Estudos Sóciopoliticos da PUC Minas – NESP, Robson Sávio comenta a última publicação do teólogo cearense Aquino Junior da diocese de Limoeiro do Norte. A obra fala da Igreja sonhada pelo Papa Francisco, em saída para as periferias. Confira:
Teologia em saída para as periferias
Por: Robson Sávio Reis Souza
O pontificado de Francisco representa uma primavera para a Igreja. Bergoglio, que saiu dos “confins do mundo” e, eleito Papa, se autointitulou Francisco – em homenagem ao santo que “reconstruiu a Igreja” -, retoma e mira seu pontificado tendo como fulcro as principais diretrizes do Concílio Vaticano II (1962 – 1965) e da igreja latino-americana. Propõe um processo de renovação teológico-pastoral a lançar a Igreja para fora de seu esimesmamento (característico nos papados de João Paulo II e Bento XVI), em direção às periferias e seus sujeitos violentados pela “economia que mata”, os pobres.
Estudar para compreender essa revolução – que não é silenciosa, haja vista os inúmeros ataques que são direcionados a Francisco (de Roma) pelo ultraliberalismo econômico e pelo conservadorismo elitista, moralista e dogmático cristão – é fundamental num momento histórico e crucial, que aponta para uma mudança epocal no mundo, com reflexos profundos à instituição que delineia e molda a cultura ocidental: a Igreja Católica.
Numa feliz parceria entre a Universidade Católica de Pernambuco e edições Paulinas, acaba de chegar às livrarias o novo livro do jovem e promissor teólogo Francisco de Aquino Júnior, “Teologia em saída para as periferias” (edições Paulinas, 255 páginas, 2019).
No prefácio da publicação, o reitor da PUC Minas e bispo-auxiliar de Belo Horizonte, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, nos apresenta o autor: Pe. Francisco de Aquino Júnior “cursou Filosofia no Ceará – isto conta! Teologia, em Belo Horizonte, na Faculdade Jesuíta, sob orientação do Prof. Pe. Francisco Taborda – isto diz muito! Na Espanha, estudou o filósofo Xavier Zubiri – isto diferencia! Na Alemanha, durante quatro anos, dedicou-se ao doutorado, sob a batuta intelectual do Prof. Giancarlo Collet, que, desconfio, tem um pé na Europa e outro aqui na América Latina. À luz do pensamento do filósofo e teólogo Pe. Ignacio Ellacuría, jesuíta, exímio pensador e vigoroso profeta, reitor da Universidade Centro-Americana, brutalmente assassinado pelas Forças Armadas de El Salvador, na ditadura, em novembro de 1989, Pe. Aquino escreveu sobre “A Teologia como intelecção do reinado de Deus” – isto o distingue! A Faculdade Católica de Fortaleza, a Universidade Católica de Pernambuco e esporadicamente muitos centros de formação filosófica e teológica, muitos grupos, variadas dioceses têm tido a graça da presença lúcida, profunda, simples de Francisco de Aquino Júnior. Quem não o pode ter presencialmente, pode com ele refletir e estudar por meio de livros e múltiplos artigos publicados.” (pp 11 – 12)
O livro é uma preciosidade para quem deseja envolver-se com a nova e atual releitura teológica do Vaticano II proposta pelo Papa Francisco, condensada na expressão “Igreja em saída”. Mas, não nos enganemos. O Papa deixa claro que não se trata de uma saída eclesial e, principalmente eclesiástica, para um passeio reconfortante; nem para se voltar aos mesmos lugares hierárquicos, clericais e centralizadores de quase sempre. Trata-se de uma saída qualificada: rumo às periferias existenciais e materiais da humanidade. “Falar de teologia em saída para as periferias significa, por um lado, reconhecer ou ao menos insinuar que as periferias do mundo não são (mais) o lugar habitual da teologia e, por outro lado, provocar e propor um deslocamento (ou uma volta) da teologia para as periferias, o que implica reconhecer as periferias como o lugar ou, ao menos, como um lugar teológico fundamental.” (p. 18).
A obra é fundamental para pastoralistas, catequistas e servidores de todos os ministérios eclesiais. Mas, deveria ser degustada, com todo o afinco e profundidade, por professores e estudantes de teologia que, por vezes, preferem dogmatismos ou “teologias dos panos e dos incensos” à teologia missionária de uma Igreja que deve fecundar a cultura, a política e a sociedade num mundo marcado por tantas manifestações de ódio, violência, mentira e múltiplas formas de opressão e morte. Afinal, nunca foi tão importante rememorar os princípios elementares da pregação de Jesus em relação à essência da vida cristã, tão bem resumidos no Sermão da Montanha (capítulos 5 a 7 do Evangelho de Mateus): o reino que Jesus, o Cristo, proclamou (ontem) e que precisa de verdadeiros discípulos (hoje) é um reino da contracultura. Ao invés da violência, da guerra, do ódio e da morte, Jesus fala de justiça, misericórdia, piedade, confiança, igualdade e paz. E, ao escolher o pobre (representado nos Evangelhos pelo estrangeiro, o órfão, a viúva e os excluídos social e politicamente) apresenta um desafio radical para que seus discípulos, em todos os tempos, trilhem pelos caminhos da verdadeira e plena libertação. Frente aos sinais que ameaçam a vida, e a vida plena e em abundância para todos, a mensagem de Jesus espanta o conformismo e a alienação. Nada mais necessário e contemporâneo.
Na introdução, Francisco de Aquino Júnior sintetiza o conteúdo da obra: “o livro está organizado em quatro partes que se implicam e se explicam mutuamente. A primeira parte trata do processo eclesial de “saída para as periferias”, desencadeado pelo Concílio Vaticano II e pela Conferência de Medellín, conservado por muitos setores e movimentos eclesiais e retomado pelo Papa Francisco. A segunda parte se confronta com a complexidade e os desafios do mundo dos pobres e marginalizados, particularmente em sua configuração e em seu dinamismo atuais. A terceira parte explicita o vínculo da fé cristã com os pobres e marginalizados, mostrando como isso é constitutivo da fé cristã e não meramente consecutivo a ela nem muito menos algo opcional na fé. A última parte aborda a problemática do compromisso cristão com os pobres e marginalizados em sua complexidade e diversidade de dimensões e formas, destacando a dimensão socioestrutural desse compromisso com seu caráter marcadamente profético, chegando, não raras vezes, ao martírio: expressão máxima de profetismo e prova maior de fidelidade evangélica”. (p. 09).
Para nós, cristãos latino-americanos, o autor alerta: “Convém considerarmos com mais atenção esse movimento e dinamismo teológico-pastorais do Concílio Vaticano II à Igreja latino-americana para que possamos retomar crítica e criativamente o caminho aberto e indicado por eles no contexto que nos toca viver a fé e elaborá-la teoricamente.” (pp 21 – 22).
Nesse sentido, “um tema central e fundamental, a ‘opção pelos pobres’ se tornou na Igreja e na teologia latino-americanas a perspectiva ou o ponto de vista fundamental a partir do qual todas as questões são tratadas e dinamizadas. E não se trata apenas de uma perspectiva ou de um ponto de vista sociológico, mas, antes e mais radicalmente, de uma perspectiva ou de um ponto de vista estritamente teológico, tal como aparece na Sagrada Escritura”. (p. 31).