Nem os mercados, nem os analistas políticos, ninguém é capaz de apostar nem os sapatos em adivinhar o resultado das eleições mais incrivelmente complexas da história brasileira.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 23-08-2018.
Eis o texto.
Lula na prisão, impossibilitado de disputar as eleições e com quase 40% das intenções de voto nas pesquisas? Nenhum outro candidato sem chegar aos seus pés? E estamos a poucas semanas de ir às urnas. Nem os mercados, nem os analistas políticos, ninguém é capaz de apostar nem os sapatos em adivinhar o resultado das eleições mais incrivelmente complexas da história brasileira.
Os políticos que disputam a eleição presidencial — certamente sem Lula, que ganharia no primeiro turno— devem estar desconcertados com os resultados insignificantes que apresentam. Não eram eles que apostavam num novo Brasil uma vez libertos de Lula e do PT? Devem estar perguntando às pitonisas que demônios se apoderaram deste país, onde parece que tudo pode acontecer.
A história deverá um dia analisar este incrível momento histórico do Brasil, que do altar da glória parece estar escorregando para um abismo que atemoriza. Não sou, entretanto, da tribo dos derrotistas. Continuo acreditando que o Brasil, mais que uma crise irreversível, está vivendo é sua condição de laboratório político, onde tudo está em discussão e em análise, sem saber o que acabará saindo dessa proveta.
Os políticos logo poderão perceber que a crise que todos eles atravessam deve-se ao fato de terem ignorado ou desprezado que, enquanto se sentiam seguros de si mesmos, acreditando poder governar para gente que aceitava tudo como antes, esse Brasil da rua já é outro, para bem ou para o mal. Acordou. Perdeu a fé neles e lhes nega o voto.
Não o nega, entretanto, a Lula, apesar de estar condenado e na prisão. Tampouco saiu à rua contra sua detenção, nem gritou em massa que é inocente, mas é que não acredita na inocência de quem se esforça em ficar com seus despojos. Considera-os tão ou mais responsáveis pela corrupção. O que então esse Brasil vê em Lula para querer continuar votando nele com maior afinco que em todos os outros candidatos? Talvez uma miragem, mas quem conhece o deserto sabe a força até mesmo espiritual que traz a esperança de poder encontrar um poço de água fresca.
Lula, com todos os seus defeitos e pecados, conhece talvez como nenhum outro político o vazio de esperança neste país melhor que pulsa no coração dos brasileiros, sobretudo dos mais pobres, dos que não conseguem nem sonhar. A eles, da prisão, Lula continua prometendo, como Moisés no deserto aos judeus, um Brasil de abundância para todos, de desejos que parecem perdidos, de momentos de festa. Os faz voltar a sonhar.
Moisés não chegou à Terra Prometida e sofreu a dor de ver que os resgatados por ele chegaram a se apaixonar pelos ídolos. Lula é possível que tampouco consiga ver esse Brasil dos seus sonhos. Uma lei que ele mesmo sancionou o impedirá até de ser candidato. Não importa. Há algo que os outros candidatos não devem, entretanto, esquecer: os sonhos que Lula, da prisão, continua oferecendo como um chamariz aos milhões de brasileiros que quereriam ainda votar nele se a lei permitisse continuarão vivos no coração desse Brasil laboratório, que abriu os olhos, que reflete mais do que ontem, que é mais livre para processar os políticos, que já não os perdoa por tudo como antes. Esse outro Brasil, que os velhos partidos, inclusive muitas vezes o PT, resistem a reconhecer, é um Brasil possivelmente sem volta. E é esse Brasil que, como ocorre às vezes com os filhos que se libertam do peso conservador de seus pais, devemos nos esforçar por entender. É o Brasil que, em sua relutância em se livrar de um passado que o asfixiava politicamente, pode parecer contraditório e inesperado. Mas é um Brasil política e socialmente vivo. E são os vivos, não os mortos, quem engendram ao mesmo tempo pesadelos e esperanças.
Fonte IHU