“Bento não abandonou o mundo. Ele tomou o mundo em seu coração e procurou fazer de sua vida uma oblação de paz e santidade. Bento não abandonou a família. Ele simplesmente seguiu um caminho diferente e o ofereceu aos outros (ainda hoje oferece aos outros de maneira espiritual)” escreve Jeffrey F. Kirby, padre e professor de Teologia, em artigo publicado por Crux, 08-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Padre Jeff Kirby é professor adjunto de teologia no Belmont Abbey College, em Charlotte, Carolina do Norte.
Os monges beneditinos foram os primeiros a trazer a fé católica para a região de Charlotte, e seu testemunho continua em todas as Carolinas.
No dia 11 de julho os cristãos celebram a festa de São Bento de Núrsia. O santo do início do século VI ainda é uma das luzes mais brilhantes da cultura ocidental. No entanto, de todas as coisas que podem ser ditas com razão sobre ele, às vezes a mais óbvia é esquecida. Quando o jovem santo se viu desolado e confuso, o que ele fez?
Em vez de aceitar uma vida de amargura ou se juntar à devassidão de seus dias e se deixar abater, Bento escolheu uma opção diferente.
O registro histórico é preciso ao relembrar a síntese de Bento das tradições eremitas e monásticas do oriente e sua subsequente formalização do monasticismo ocidental por meio de sua bem equilibrada e famosa Regra, que descreve a estrutura, as responsabilidades e a harmonia de uma comunidade monástica.
Também é apropriado notar o zelo de Bento com o qual ele trabalhou na criação de mosteiros em toda a Itália, o que levou à formação de muitos outros por toda a Europa e, eventualmente, por todo o mundo, incluindo Belmont Abbey na região de Charlotte, na Carolina do Norte.
Embora esses elogios devam ser feitos corretamente e ser devidamente reconhecidos, vale a pena ressaltar novamente que a coisa mais óbvia – e mais impressionante – sobre esse santo é muitas vezes negligenciada ou não apreciada, ou seja, uma série de coisas que ele não queria e nem poderia consertar.
Bento era de uma família rica e estabelecida. Ele cresceu logo após a implosão do grande Império Romano, e sua vida foi cercada pelo caos que se segue a um choque cultural tão monumental e toda sua reestruturação. Apesar da instabilidade social, a comodidade da família de Bento lhe proporcionou uma infância relativamente normal. Quando o jovem Bento foi a Roma em busca de educação, ficou chocado com a desordem e agitação na sociedade, além da licenciosidade e corrupção de seus líderes. Ele se encontrou existencialmente insatisfeito e completamente infeliz.
Então, o que Bento fez?
A melancolia, que é sentida por muitos em nossos dias, por um estado de coisas que não podem ser controladas, como divórcio, disfunção familiar, desemprego, dependência de opioides, dívidas pessoais, plano de saúde, aumento de custos e status legal, pode ser melhorada a partir da resposta de Bento. Ele não bebeu em estupor, nem tentou acabar com a corrupção, nem terminou tudo de maneira suicida, ou se tornou parte do problema.
Apesar de todas as opções mundanas, Bento escolheu rejeitar as adversidades, trazer o bem ao seu próprio coração e se afastar do caos.
Este afastamento significa que o santo abandonou tudo e simplesmente fugiu? Significa que ele partiu com um coração descontente ou bravo? Bento desistiu, mandando todos resolverem seus problemas sozinhos? E, se não, por que ele saiu e o que ele estava procurando?
As respostas para estas perguntas podem ser encontradas na pequena caverna onde Bento viveu. O jovem deixou Roma e seguiu para a área montanhosa de Subiaco, que fica a poucos quilômetros de Roma. Quando chegou lá, não estava procurando iniciar uma contra-reforma maciça de uma sociedade rebelde. Não estava pensando em iniciar uma ordem monástica universal para preservar e estabilizar a civilização. Não, essas coisas vieram mais tarde e se desenvolveram como consequência do que Bento estava realmente procurando.
Na caverna de Subiaco, que ainda é visitada até hoje por incontáveis peregrinos (inclusive eu e muitos amigos quando éramos seminaristas em Roma), a resposta à nossa pergunta primordial – O que Bento estava procurando? – está literalmente escrita no chão da entrada. Em mosaico simples, a resposta é dada: “Pax”.
Sim, Bento estava procurando por “pax”, isto é, ele desejava a paz. Ele queria paz em sua própria alma, paz com a criação, paz com seus semelhantes e paz com Deus. Ele não fugiu de um “mundo ruim”, mas se afastou para poder ser um instrumento de bondade. Não havia ira ou amargura, apenas uma alma gentil perseguindo a retidão e a tranquilidade.
Bento não abandonou o mundo. Ele tomou o mundo em seu coração e procurou fazer de sua vida uma oblação de paz e santidade. Bento não abandonou a família. Ele simplesmente seguiu um caminho diferente e o ofereceu aos outros (ainda hoje oferece aos outros de maneira espiritual).
Em nossos tempos, quando tantas pessoas estão emocional ou fisicamente sofrendo devido aos males do nosso mundo, Bento molda uma busca pela harmonia interior. Quando a vida pode parecer uma série de decepções e incertezas, o caminho de Bento para a tranquilidade nos é oferecido novamente. E quando tantos entre nós (mesmo aqueles de grande destaque) estão escolhendo suicídio ou vícios para tratar de suas mágoas e queixas, a transparência do grande São Bento e sua busca pela paz, que ele encontrou e celebrou em Deus, é oferecida novamente para cada um de nós.
Fonte IHU