Dizer que vivemos tempos politicamente difíceis já soa lugar comum. Se as perspectivas das próximas eleições não são muito alvissareiras, elas também representam uma oportunidade para os cristãos leigos, chamados a ser “sal e luz”, especialmente nesse complicado areópago.
A democracia representativa, tal como tem funcionado no Brasil, revela-se insuficiente para atender às demandas de amplos extratos da população, dos excluídos de sempre aos contribuintes das classes médias; as propostas dos partidos políticos mostram-se esgotadas, alguns relutando em sair do século XX e outros insistindo em entrar no século… XIX! A polarização da sociedade – fenômeno não só brasileiro, mas que aflige todo o Ocidente – é um dos sintomas da crise civilizatória própria da “mudança de época” de que falam os documentos da Igreja.
Some-se a isso o pensamento ocidental que tende a ver as coisas em categorias duais que se excluem umas à outras: branco ou preto, antigo ou moderno, conservador ou progressista, liberdade ou igualdade, Estado ou indivíduo. E que tendemos igualmente a moralizar: o pensamento não é apenas discordante, mas está “errado” e, portanto, é “mau”, “pecaminoso”. Talvez nós, cristãos, sejamos mais “filhos desse nosso tempo” do que gostaríamos de admitir…
A complexidade da realidade não consegue mais ser apreendida por uma única corrente política (muito menos por uma pessoa sozinha; déspotas esclarecidos, grandes estadistas ou líderes messiânicos não são capazes de dar conta da política). Como tem salientado o Papa Francisco, em textos como a Evangelii Gaudium (EG 238-258i) e a Laudato Si’ (LS 163-201), é imperativo o diálogo e a interação entre as várias visões de mundo. E aqui os cristãos podem desempenhar um papel fundamental de “apóstolos do diálogo”. Pois o diálogo, para acontecer, requer um pressuposto: o amor fraterno, ensinado pelo Evangelho.
O amor fraterno possui algumas características que tornam o diálogo possível. Ele é universal e inclusivo: todos são candidatos ao diálogo – embora não possamos impor a ninguém querer dialogar, podemos fazer a nossa parte, sempre; ele reconhece e respeita a dignidade do outro assim como reconhece e respeita a própria – ou seja, reconhece que o outro tem algo a dizer e possui parte da verdade (a atitude dialógica nos faz reconhecer que não possuímos a verdade, mas somos possuídos por ela; somente com os outros chegaremos a ela); ele é proativo: toma sempre a iniciativa; é empático: leva-nos a nos colocarmos na perspectiva do outro e a vermos o mundo com seus olhos; é tolerante e capaz de perdoar: é capaz de superar a categoria do inimigo – infelizmente tão presente na política; por fim, pavimenta o caminho da reciprocidade: é quando o diálogo se torna efetivo.
O método dialógico possibilita o processo coletivo e colaborativo de compreensão, discernimento e proposição das realidades humanas complexas, inclusive na política. Acolhendo – com humildade, como quem recebe um presente – inquietações, reflexões, perspectivas de tantos que se comprometem com o bem da sociedade, mas cujos pressupostos não dividimos, podemos oferecer – com humildade, como quem oferece um presente – a própria experiência e reflexão aplicadas nas várias esferas sociais.
Fazendo-nos sinceramente companheiros de viagem de homens e mulheres de nosso tempo, cúmplices dialógicos na busca do bem comum, compreenderemos com serenidade que, nas eleições – apenas uma etapa da jornada política –, é até indispensável que se votem em alinhamentos diferentes, e que todos esses alinhamentos são necessários e têm algo a dizer.
Fonte Jornal O SÃO PAULO