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Um país bloqueado. Um povo paralisado. O caos instalado

O debate sobre a paralisação dos caminhoneiros não se resume aos impostos

Por Élio Gasda*

A greve não causou o caos. O caos causou a greve. Quem o instaurou não foram os caminhoneiros. Foi o neoliberalismo imposto pela “articulação partidária” composta pela mídia golpista, Poder Judiciário e mercado financeiro que colocou no governo uma facção corrupta a seu serviço. As instituições foram reorganizadas em função dos interesses do capital. O neoliberalismo destruiu o Estado de Direito. Uma sociedade desnorteada, um povo paralisado. Não apenas os caminhoneiros, todos os trabalhadores estão sendo roubados pela cleptocracia instalada em Brasília.

A situação é muito pior do que alardeia o (des) governo e seus porta-vozes. Desastres em série levaram ao bloqueio: corte de investimentos em programas sociais, implosão da CLT, congelamento dos gastos em saúde e educação, asfixia das universidades públicas, cortes nas políticas de combate à violência contra a mulher, contra a homofobia e na promoção da igualdade racial, cortes na agricultura familiar, em programa de aquisição de alimentos e no combate ao trabalho escravo, paralisação da reforma agrária e demarcação de terras indígenas e quilombolas, encolhimento do crédito para a casa própria, explosão do desemprego, do aumento do custo de vida. Mais de um milhão de famílias voltou a cozinhar no fogão a lenha. Até quando o povo vai aguentar?

O debate sobre a paralisação dos caminhoneiros não se resume aos impostos. Logo após o golpe de 2016, a Petrobrás instituiu uma política de preços pautada pela variação da cotação do petróleo no mercado internacional. Associado à venda de poços, refinarias e outras medidas, Pedro Parente colocou o lucro dos acionistas internacionais acima dos interesses nacionais. Não importa quanto o Brasil produz, porque o preço é determinado pelo mercado internacional. Por isso os combustíveis aumentaram 239 vezes. Há quase 40 anos que o Brasil não constrói uma refinaria. Quando um governo decidiu construí-las, surge a Lava Jato que suspendeu a construção. A primeira iniciativa do atual (des) governo foi paralisar a produção de derivados. Na Rússia a gasolina custa em média R$2,32. No país da Copa o preço do combustível não está atrelado às flutuações do mercado. Gazprom, empresa pública, é a maior companhia energética do mundo. Lá o Estado dita as regras do jogo.

Situações extraordinárias clamam por saídas extraordinárias. Mudanças sociais não acontecem em gabinetes refrigerados. O direito de greve faz parte da democracia e está garantido na Constituição Federal: “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” (Art.9º). A Rede Globo e outras mídias tenta deslegitimar a greve e desmoralizar os grevistas, acusando-os de prejudicar a economia.

Este movimento sem estrutura sindical alastrou-se via Whatsapp. Os trabalhadores descobriram que seu poder não está no voto, mas na capacidade de parar a produção. É chance para conhecer a realidade dos caminhoneiros. A greve revela que é o trabalho que produz e faz circular a riqueza. As pessoas descobriram que as mercadorias não chegam sozinhas ao mercado. Por trás da mercadoria há muito trabalho realizado em condições precárias. Os caminhoneiros estão nas estradas dirigindo durante 12 horas ou mais, passam dias longe de casa dormindo na boleia, nos postos e em pátios. A maioria não têm direitos trabalhistas, arca com o combustível, a manutenção do veículo e o pagamento dos pedágios. A jornada de trabalho, a baixa remuneração, a falta de proteção social e o alto índice de acidentes não estão na pauta das reivindicações dos caminhoneiros. Sua ação pleiteando direitos trabalhistas está com tramitação suspensa no STF desde dezembro de 2017. Você realmente está preocupado com os caminhoneiros?

O “país mais católico do mundo” é um país caótico. Por onde anda a grande massa de cristãos que faz do Brasil um dos países mais religiosos do mundo? Igrejas tomadas por conservadorismos, devocionismos, infestada por um clericalismo alienado. Não cabe neutralidade ou afastamento. É a humanidade que precisa ser defendida. Neoliberalismo e humanidade são antagônicos. A sobrevivência de um ameaça a continuidade de outro. Neoliberalismo é uma arma de destruição das massas. As previsões de Karl Marx sobre a tendência do capitalismo de aprofundar a desigualdade e acirrar a luta de classes, destruir o gênero humano e a natureza deve ser levado a sério. Para a Doutrina Social da Igreja “nenhum ganho é legítimo quando diminui a promoção integral da pessoa humana, a destinação universal dos bens e a opção preferencial pelos pobres” (Oeconomicae et pecuniariae quaestiones).

Como transformar o caos em uma nação? Como derrotar aqueles que ganham muito paralisando a população? Um país minimamente civilizado exige reverter esta barbárie, reorientar a economia para que ela esteja a serviço do bem comum da população que produz de fato a riqueza deste país. Isso implica a restauração da democracia, um Estado que desbloqueie o país e represente os interesses da sociedade.
*Élio Gasda é doutor em Teologia, professor e pesquisador na FAJE. Autor de: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016).

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