Emparedado, o Governo Michel Temer (MDB) se rendeu. Com o país semiparalisado e temendo o caos como consequência da maior paralisação de caminhoneiros em duas décadas, o Planalto aceitou as principais reivindicações do movimento grevista – além de um desconto preço do diesel até dezembro, subsidiado pelo Estado e sem prejuízo para a estatal , foram conferidas outras benesses para condutores e empresas do setor de transportes. Em troca, o Planalto recebeu a promessa das lideranças da categoria de que haverá uma tentativa de encerramento da paralisação a partir dessa sexta-feira, uma trégua que deve durar pelo menos 15 dias. Depois, o movimento irá reavaliar se o Governo está cumprindo o seu compromisso.
A reportagem é de Afonso Benites, publicada por El País, 24-05-2018.
A força dos caminhoneiros ficou evidente nas manifestações que se iniciaram na última segunda-feira e atingiram 25 unidades da federação com cerca de 500 bloqueios de rodovias. Interferiram no abastecimento de várias áreas, no fornecimento de produtos hortifrutigranjeiros, rações para animais, insumos de hospitais e nas peças para automóveis e combustíveis. Nenhuma montadora deve funcionar nesta sexta no país.
O presidente Michel Temer comemorou a vitória do “diálogo”. A Petrobras também lançou nota satisfeita, mas, apesar do acordo, os representantes dos caminhoneiros disseram que não é possível garantir com 100% de certeza de que a categoria suspenderá a greve imediatamente. “Vamos comunicar todos e esperamos que eles entendam que avançamos muito em nossos pedidos”, afirmou Diumar Bueno, presidente da Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA). Das 11 entidades que iniciaram as negociações, duas decidiram não assinar o documento final, a Associação Brasileira de Caminhoneiros e a União Nacional dos Caminhoneiros. Juntas, elas dizem representar cerca de 700.000 profissionais, enquanto que as outras nove representam 1 milhão.
Sem alternativas e diante da possibilidade de uma onda de desabastecimento em um país refém dos caminhões, a gestão Temer prometeu até botar a mão no bolso do contribuinte, mesmo em plena crise fiscal, para evitar maiores estragos. Até o fim do ano, a União se comprometeu a manter uma redução de 10% no preço final do óleo diesel. Mensalmente esse congelamento da tarifa será revisto.
A opção foi não interferir na política de preços da Petrobras cuja a estratégia é deixar o preço oscilar conforme o valor do petróleo e do dólar num marco de diferenciação pró-mercado da gestão Dilma Rousseff. Conforme explicou o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun: “Até a refinaria, a política de preço é da Petrobras. Da refinaria até a bomba, o Governo interfere”. O impacto nas contas públicas deve ser de quase 5 bilhões de reais em sete meses. Assim, a gestão federal decidiu manter a estratégia que a Petrobras criou para se ajustar às práticas privadas do setor petroleiro e melhorar sua visão internacional após as perdas e o escândalo da Lava Jato. Seja como for, haverá uma espécie de “intervenção branca” nos preços apenas no diesel – ainda que o mau humor também atinja a população em geral pela escalada do preço da gasolina (o Governo informou que, até o momento, não tratou de mudanças nos preços da gasolina ou do gás de cozinha, que, nas últimas semanas registraram seguidos aumentos). Pior: mesmo para a solução só dos caminhoneiros, não está claro qual será a fonte desse recurso que sairá do cofre da União para compensar a Petrobras por essas perdas num orçamento já achatado e pressionado pela nova regra do Teto do Gasto público.
A gestão Temer ainda se comprometeu a reduzir a zero a alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) em 2018 e a reajustar o diesel com periodicidade mínima de um mês. A ideia é trazer o mínimo de previsibilidade aos transportadores. As outras promessas tratam de reeditar tabelas de preços do frete, discutir os valores dos pedágios privados com Estados, autorizar a Companhia Nacional de Abastecimento a contratar sem licitação caminhoneiros autônomos para transportas 30% de sua demanda, não promover a reoneração da folha de pagamento das empresas de transporte de carga e suspender as ações judiciais e as multas contra os grevistas.
Um item que, inicialmente, estava nas discussões e foi suprimido do acordo final, trata da redução de outros dois tributos, PIS e COFINS. O problema foi o impasse causado pelo projeto aprovado na noite de quarta-feira pela Câmara. A proposta de lei previa a perda de 3 bilhões de reais das receitas, mas pelos cálculos do Governo, essa redução da maneira que foi apresentada chegaria a 13,5 bilhões de reais. Tudo isso sem indicar qual fonte substituiria essa perda orçamentária, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diante do cenário, o Senado chegou a marcar uma sessão extraordinária para essa sexta-feira para discutir o projeto aprovado pela Câmara. Como os dados ficaram desencontrados, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), desistiu da sessão. Em breve encontro com os caminhoneiros ele se comprometeu a colocar em votação um projeto que trata de valores dos fretes para as próximas duas semanas. Sobre o PIS e COFINS, Eunício informou que só levará o projeto à pauta depois que Governo e caminhoneiros chegarem a um consenso sobre o assunto.
Fonte IHU