O cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, afirmou que a tragédia do incêndio e desabamento do edifício de 24 andares no centro da capital paulista, na madrugada da terça-feira, 1º, expõe um problema grave de habitação que assola muitas grandes metrópoles do País. Para ele, é preciso que haja uma política que garanta acesso à moradia digna com preços que sejam acessíveis também aos mais pobres. “Não temos um déficit habitacional… o que nós temos é uma distribuição inadequada das habitações… falta uma política habitacional adequada para as necessidades da população”, disse.
Dom Odilo visitou o local do acidente na noite desta quarta-feira, 2. Além de se encontrar com vítimas e os bombeiros que trabalham na busca de desaparecidos, ele acompanhou o trabalho de arrecadação de doações. A Arquidiocese de São Paulo tem auxiliado no atendimento das vítimas e no diálogo com o poder público em busca de soluções emergenciais para as cerca de 150 famílias que ocupavam o prédio.
Desaparecidos – Na madrugada da desta quinta-feira, 3, após o período de 48 horas do início das buscas, o Corpo de Bombeiros iniciou o trabalho de retirada dos escombros com o uso de máquinas pesadas. Segundo o cadastro social da Prefeitura de São Paulo, 49 pessoas ainda não foram localizadas. Mas isso não significa que todas elas estejam sob os escombros, já que nem todos poderiam estar no local no momento do acidente. O Corpo de bombeiros tem a confirmação do desaparecimento de um homem que estava sendo resgatado no momento em que o prédio desmoronou. Também há informações sobre uma mulher e seus dois filhos que estariam no edifício poucas horas antes do incêndio e que, segundo parentes, ainda não foram encontrados.
Causas – A principal hipótese para o incêndio levantada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo é a de acidente doméstico, como a explosão de um botijão de gás ou de uma panela de pressão. Também há relatos de que houve uma briga de casal no quinto andar do edifício, onde começou o incêndio. Segundo peritos do Instituto de Criminalística de São Paulo, um laudo será feito a partir da análise dos objetos e destroços encontrados para se chegar as prováveis causas.
Diálogo e acolhida – No dia do desabamento, dom Carlos Lema Garcia, bispo auxiliar da Arquidiocese, e o padre Julio Renato Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, estiveram no local para ajudar na negociação entre os desabrigados e a Prefeitura. Dentre as alternativas apresentadas para o atendimento emergencial das famílias, foi oferecida a quadra do Colégio São Bento, também na região central, após um diálogo entre os monges beneditinos e a Prefeitura intermediado pela Arquidiocese. O cardeal Scherer chegou a conversar, por telefone, com o Prefeito Bruno Covas, que garantiu oferecer toda a infraestrutura para essa solução provisória até que fosse encontrada uma medida definitiva. Segundo dom Carlos, a presença eclesial facilitou a conversa entre vítimas e a administração municipal. “Pelo trabalho que a Igreja tem junto a essa população existe uma relação de confiança com os representantes das pastorais”, afirmou.
O Secretário de Governo da Prefeitura, Júlio Semeghini, explicou à reportagem que a proposta de um local provisório para abrigar as vítimas tem o objetivo de garantir o mínimo de dignidade para essas famílias e para facilitar as negociações por uma solução permanente. Muitos dos desabrigados temiam ser removidos para albergues da prefeitura para pessoas em situação de rua e serem separados de seus parentes. Também foram oferecidos pela Prefeitura outros dois locais alternativos para a acolhida temporária na região central.
A maioria dos desabrigados, no entanto, optou por permanecer acampada no Largo Paissandu por medo de perderem a força para reivindicar seus direitos. Mas aceitaram ter como ponto de apoio um dos espaços propostos, no Viaduto Pedroso, onde há banheiros, camas e alimentação, especialmente para idosos e crianças. “Tudo isso, por enquanto, é emergencial. Essas pessoas não vão poder ficar nessa situação de maneira permanente”, alertou o padre Julio Lancellotti.
O edifício – Inaugurado em 1968, o Edifício Wilton Paes de Almeida foi tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental do São Paulo (Conpresp) em 1992. Em 1980, o prédio abrigou a sede da Policia Federal, que em 2003 foi transferida para sua sede atual na Lapa, zona Oeste. Abandonado, o edifício sofreu várias ocupações.
A Secretaria Municipal de Habitação atuava na ocupação do edifício por meio do grupo de Mediação de Conflitos, pois estava prevista a reintegração de posse, movida pela Secretaria de Patrimônio da União. Uma vez desocupado, o imóvel seria cedido à Prefeitura. Entre fevereiro e abril, a Secretaria teria feito seis reuniões com as lideranças da ocupação para esclarecer a necessidade de desocupação do prédio. No dia 10 de março, foram cadastradas cerca de 150 famílias ocupantes do prédio. Desse total, 25% eram estrangeiras. Esse cadastro foi realizado para identificar a quantidade de famílias, o grau de vulnerabilidade social e a necessidade de encaminhamento à rede socioassistencial.
Riscos – O Ministério Público do Estado de São Paulo determinou, na terça-feira, que sejam investigadas as causas do incêndio, além da veracidade dos relatórios técnicos encaminhados pelos órgãos públicos responsáveis pela manutenção e fiscalização. Em 24 de agosto de 2015, a Promotoria de Habitação de Urbanismo já havia instaurado um inquérito civil para apurar a possível existência de risco no imóvel. Em nota, o MP informa que reabriu o caso em virtude dos “gravíssimos fatos ocorridos”.
Em 16 de março, a Promotoria arquivou o inquérito civil após receber um laudo de vistoria da Defesa Civil, quando “não foram constatadas anomalias que implicassem riscos naquela edificação, embora a instalação elétrica estivesse em desacordo com as normas aplicáveis, assim como o sistema de combate a incêndio”.
Destruição de igreja histórica
A Arquidiocese também prestou solidariedade à Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, que teve 80% de seu histórico templo destruído pelo desabamento do edifício localizado ao lado. A pedido do cardeal Scherer, foram iniciados contatos com lideranças luteranas para colocar algum templo católico à disposição da celebração dos cultos, caso seja necessário, enquanto a igreja não for reconstruída. Inaugurada em 25 de dezembro de 1908, o templo é considerado a primeira paróquia evangélica da capital paulista. Entre 2012 e 2013, passou por uma reforma interna.
Doações – Além do acompanhamento das vítimas, a Arquidiocese está auxiliando na arrecadação de doações com o apoio da Caritas Arquidiocesana. A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no Largo Paissandu, tornou-se o principal ponto de arrecadação. Ao longo do dia, o templo precisou ser fechado por estar lotado de mantimentos e roupas. Diante de impasses em relação à distribuição dos itens e da preocupação das lideranças das vítimas de que as doações pudessem ser desviadas, o arcebispo pediu que a igreja siga servindo como posto para guardar e garantir que tudo chegue às mãos dos desabrigados.
Os itens de maior necessidade são: alimentos, água, roupas (adulto/infantil), fraldas, sapatos, itens de higiene, colchão/colchonetes, materiais escolares e cobertores. Também estão recebendo doações os seguintes locais: Igreja Santa Ifigênia (Rua Santa Ifigênia, 30); Santuário São Francisco (Largo São Francisco, s/n); Catedral da Sé (Praça da Sé, s/n); Centro de Acolhida (Viaduto Pedroso, 111); Cruz Vermelha (Avenida Rubem Berta, 860).
Projeto Comunicação Integrada Igreja no Brasil
Créditos:
Texto: Fernando Geronazzo – Jornal O São Paulo
Colaborou Rafael Alberto
Fotos: Luciney Martins