Poderíamos dizer que o desastre começa com o impeachment da presidente Dilma e a posse de Temer, mas a meu ver o início se dá com a aprovação da Lei do Teto de Gastos (também chamada de PEC do Fim do Mundo), em fins de 2016, que reduz as despesas com saúde e educação para os próximos 20 anos. Em seguida, já em 2017, vem a Lei da Terceirização, mero preâmbulo da “Reforma Trabalhista” – aprovada em junho -, que enterrou a CLT, de 1940. Muitas outras leis e decretos que retiram direitos foram sendo aprovadas ou assinadas no decorrer do ano, dentre as quais as isenções oferecidas às multinacionais para explorar o petróleo brasileiro. Estas leis e medidas desmontaram a Constituição de 1988 e deram origem a outra ordem institucional no país.
No decorrer do período, a Lava-Jato continuou seu percurso. Muitos acreditavam que esta investigação tinha como objetivo atacar a corrupção: afinal, grandes empreiteiros foram presos, levados à delação premiada, e vastos esquemas de propina foram desvendados. Pouco a pouco, porém, à medida que os outros políticos atingidos pela Lava-Jato foram sendo poupados (Aécio, Alckmim, Romero Jucá…) e à medida que as denúncias de corrupção contra o governo foram sendo desprezadas (Temer, Eliseu Padilha, Moreira Franco…), foi ficando claro que os únicos políticos que se pretendia atingir eram os do PT, especialmente Lula e Dilma.
Nunca um líder político foi tão perseguido no Brasil quanto Lula: são quatro anos de denúncias diárias, de vazamentos de delações, de conversas gravadas, de condenações sem provas: judiciário, maioria do Congresso e grande mídia se uniram para tentar banir Lula da vida pública e, sobretudo, das eleições de 2018. Não se trata de negar a possibilidade que Lula estivesse envolvido em alguma relação questionável: o que salta aos olhos nestes quatro anos é que há delações, muitas, profícuas, páginas e páginas de jornais, horas de noticiários televisivos, mas não aparecem provas dos ilícitos que se atribuem ao ex-presidente. Enquanto abundam provas em relação a políticos de outros partidos – que ficam impunes -, faltam provas em relação a Lula. Há apenas a “convicção” de que ele é culpado.
Por que não avançam processos contra Temer apesar de haver gravações que o comprometem? Por que não é investigada a corrupção atual – a compra de votos de deputados e senadores para aprovar os projetos de lei enviados pelo governo e para barrar a investigação de Temer? Como se explica que um Judiciário tão atuante permita a continuidade de um governo dominado pela corrupção e cujos atos de improbidade são publicados diariamente pela mídia?
Nós estamos num país onde as leis trabalhistas foram apagadas e os direitos dos trabalhadores, das mulheres, das minorias, alguns deles conquistados nos últimos anos, foram jogados no lixo. Do ponto de vista da evolução do capitalismo, estamos de volta ao século XIX, um tempo que se convencionou chamar de “capitalismo selvagem”, porque os trabalhadores só tinham um direito: o de trabalhar. Salário-mínimo, repouso semanal, férias, saúde, educação pública, previdência social, aposentadoria, Justiça do Trabalho não existiam. Quem tivesse recursos podia pagar os serviços de que necessitasse, mas não havia serviços públicos.
Do ponto de vista da história do trabalho no Brasil, voltamos aos anos 1920, quando estes direitos ainda não existiam. Eles começaram a ser introduzidos nesta década, mas foram consolidados, para os trabalhadores urbanos, em 1940 (CLT). Do ponto de vista dos direitos humanos, estamos voltando para a situação anterior à Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Os direitos sociais (artigos 22 a 27: trabalho, saúde, educação, assistência, cultura) não são mais uma obrigação que o Estado tem de garantir.
E querem nos convencer de que as medidas que estão sendo tomadas são em favor do progresso do país, para assegurar o nosso futuro.
A justificativa para todo este retrocesso em matéria de direitos é econômica: não temos recursos, o Brasil vai quebrar. Esta justificativa é falsa: no mesmo ano em que os “especialistas” dizem que faltam recursos para a saúde, a educação, a aposentadoria, são pagos 400 bilhões de reais de juros da dívida. São recursos públicos que são transferidos para a camada mais rica do país, em razão da nossa taxa de juros. Embora a taxa de juros nominal tenha sido reduzida (está em 7% hoje), continuamos tendo uma das taxas de juros reais mais altas do mundo: somente dois outros países têm taxas mais altas que as nossas. Os países desenvolvidos (EUA, França, Inglaterra, Suécia, Alemanha…) têm taxas de juros de 0% ou menos de zero. Se a nossa taxa também fosse baixa, não faltariam recursos para as políticas sociais. O nosso maior gasto público não é com os serviços públicos, é com o 1% mais rico do país. Trata-se de uma transferência dos impostos – pagos por todos, sobretudo os mais pobres e a classe média – para os mais ricos do país.
Se há uma “pedalada” no Brasil de hoje, que realmente é um crime, um crime econômico e social, é este roubo que é efetuado do dinheiro público (400 bilhões) para enriquecer um grupo diminuto de pessoas (1%) cuja característica principal é que já são ricos. Tira-se dos pobres para dar aos ricos. Sobre este crime, ninguém fala nada, nenhum jornalista econômico, nenhum jornal nacional. Mas todos sabem. Este crime é acobertado pela maioria do Congresso, pela maioria do Judiciário, pelo Executivo. Por que não falam? Porque são serviçais deste 1%. Pode mexer no dinheiro da saúde (4% do orçamento), no dinheiro da educação (4%), no dinheiro da previdência (22%): não pode mexer é no pagamento da dívida e dos juros (43% do orçamento) para os ricos.
A redução dos recursos públicos para a saúde, para a educação, para a aposentadoria dos trabalhadores, é para haver mais recursos para pagar aos mais ricos.
Que crise?
O Brasil não é um país pobre, não está sem recursos, o que está ocorrendo é que seus dirigentes estão direcionando os recursos existentes para a elite. Não há melhor argumento para justificar tal orientação do que dizer que estamos em crise. Se estamos em crise, vale tudo para tirar-nos dela (menos mexer na quantia que vai para os ricos).
Os quatro maiores bancos no Brasil (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil, Santander) tiveram um aumento anual dos lucros de 10% (em média), muito acima da inflação (está em menos de 3% agora). Não se pode falar em crise para banqueiros e rentistas (a camada mais rica da população). Quem está em crise é a grande maioria e quem os colocou em crise foram as leis e medidas adotadas nos últimos anos para reduzir seus direitos, seus empregos, seus salários.
Mas as coisas estão mudando
Até meados do ano passado, todos eram favoráveis à Lava Jato. Hoje, muitos têm dúvidas. Um dos motivos pode ser: era uma investigação que acabaria com a corrupção no Brasil. No entanto, apesar de inúmeras prisões de empresários, delações, muito alarde, só os do PT são efetivamente presos, só seus líderes são visados, os demais seguem livres e fagueiros; e, sobretudo, a corrupção continua tão grande quanto antes (o governo é mais corrupto que o anterior, corrompe explicitamente e a corrupção atual – a compra de votos por exemplo – simplesmente não é investigada pela Lava Jato). Cada vez mais pessoas têm dúvidas sobre a isenção da Lava Jato, a ideia de que “a lei é para todos”, de que a Justiça é cega: a lei é dura com Lula e os do PT, os demais não são incomodados, mesmo quando há provas. E tem juízes do STF que protegem estes demais.
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Tudo não é desânimo!
Correntina (Bahia): ação contra grandes propriedades.
RENCA (grande área na Amazônia): recuo do governo.
Medida para favorecer o trabalho escravo foi retirada.
Reforma da Previdência: até agora não passou.
Uma observação fácil de fazer: apesar de quatro anos de denúncias diárias, horas de jornal nacional, capas, páginas e páginas de jornais e revistas, ao invés de desaprovação, cresce a intenção de voto em Lula. Era para Lula ser considerado inimigo público no. 1 do país, mas a maioria das pessoas o veem como possível salvador. A novidade aqui é que a grande mídia não consegue fazer totalmente a cabeça das pessoas: elas fazem uma triagem no que recebem da grande mídia.
Aqui entra em ação o fato de haver outras fontes de informação além da grande mídia.
Ivo Lesbaupin
Janeiro 2018