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Apresentação do livro “Memória e Missão” de Pe. José Ernanne Pinheiro

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Reflexão de Zildo Rocha, após a missa de fechamento das comemorações do centenário de nascimento de Dom Helder, apresentando o livro “Memória e Missão” da autoria de Pe. José Ernanne Pinheiro. Juntamente com uma pequena reflexão sobre a obra e a vida de Pe. Ernanne por J. B. Libaneo.

 

O que leva alguém, em determinado momento da vida, a debruçar-se sobre si e descrever os passos da caminhada que o trouxe até ali, onde se encontra? O desejo de avaliar-se? De conhecer-se melhor? De escapar à terrível voracidade do tempo – edax rerum – que devora as coisas e as leva ao esquecimento?

Ou, ainda, e simplesmente, o desejo de contar para os seus, como forma de marcar, ou de prolongar sua presença entre eles, os caminhos por onde andou, as experiências que viveu, as dificuldades que encontrou, os fracassos que sofreu, as vitórias que conseguiu?

Por difícil que seja analisar a etiologia ou a complexidade desse, como, aliás, de tantos outros desejos humanos, o fato é que não é nada fácil transformá-lo em realidade. E, mais ainda, é difícil tomar a decisão de tornar público o resultado de tal façanha.

Pois, quando se trata de escrever a própria vida, mesmo que não apenas em seus aspectos heróicos, mas encarando-a de maneira positiva ou com o olhar de alguém que está de bem com ela e consigo mesmo, destacando-lhe os pontos marcantes ou os marcos que apontam o sentido da caminhada; não faltarão, interiormente, estados de espírito em que parecerá inteiramente normal e saudável querer comunicar aos outros nossas experiências de vida e, exteriormente, se no círculo religioso, amigos leigos e colaboradores mais próximos a nos lembrarem de que “não se deve acender um candeeiro para colocá-lo debaixo da cama”, ou de que “nossa luz deve brilhar, para que vejam nossas obras boas e glorifiquem o Pai que está nos céus”( Lc 11,33).

Como não faltarão, dentro de nós, fases ou estados de espírito, em que tal intento nos parecerá puro narcisismo camuflado; e quanto aos outros, particularmente se em ambiente religioso e, mais ainda, se no círculo clerical, os que o olharão como adolescente necessidade de afirmação, ou como busca um tanto açodada do reconhecimento humano; quando nos deveria bastar o olhar do Pai “que vê o escondido”, ou a recomendação do Irmão “que a nossa mão direita não saiba o que de bom fez a esquerda” ( Mt.6,4).

Não é fácil, a um clérigo, sair de tal impasse. Talvez por isso são freqüentes as soluções intermediárias :

– a dos diários, ou das anotações particulares; em que se procura coligir fragmentos de vida para que se não apaguem da memória, mesmo que seja para guardá-los, para si, com o pensamento, talvez, de que se tiverem algum valor serão encontrados algum dia e lidos com interesse por alguém;

– a dos escritos pessoais, antigamente datilografados, hoje digitados ao computador e domesticamente impressos, ad usum amicorum, ou a serem distribuídos entre amigos;

a das cartas individuais ou circulares, de freqüência quase diária, onde a própria vida é destilada, gota a gota e, assim, comunicada a uma filha monja, como fez Alceu Amoroso Lima[2]; ou a colaboradores mais íntimos, como Dom Helder Camara[3].

– ou ainda, a das entrevistas autobiográficas, em que alguém se deixa interpelar por um ou mais entrevistadores, a respeito da própria vida e de suas realizações, como fizeram, entre outros, Dom Helder [4], Dom Evaristo Arns [5], Dom Aloísio Lorscheider [6], Dom Waldyr Calheiros[7].

Nosso amigo Pe. Ernanne enfrentou a dificuldade de peito aberto, e optou pela solução direta, a da autobiografia propriamente dita, lançada, por enquanto, em âmbito nacional, por uma das mais prestigiosas editoras católicas do país.

O que terá levado meu amigo Ernanne, costumeiramente reservado, quase diria tímido e tão parco em confidências pessoais, a essa aparente bravata literária?

A resposta se encontra de maneira sutil, mas claramente manifesta no expressivo título que encontrou para o seu livro: Memória e Missão.

Não tenho a menor dúvida, pelo que dele conhecia e passei a conhecer após a leitura de seu livro, de que foi a idéia e a consciência da Missão que deu forma, consistência e eficácia àquele seu desejo, tão natural e tão humano e, ao mesmo tempo, tão complexo e tão difícil de concretizar-se, qual o de escrever a própria vida.

Foi guiado pela idéia e pela consciência da Missão, que Ernanne revisitou o seu passado e, sem descurar informações necessárias e lembranças pitorescas que dessem objetividade e leveza à sua narração, cuidou de nele identificar, reconhecer e mesmo agradecer, a maneira como o Espírito, através de pessoas e acontecimentos, foi suscitando nele a espiritualidade da Missão, e como, por ela guiado, foi sendo capaz de enfrentar os não poucos desafios que a vida lhe tem apresentado. E foi, também, movido pela Missão, que se dispôs a apresentar a seus colegas padres e a seus amigos leigos, de maneira singela e transparente, essas suas experiências de vida.

Assim, na infância, ao situá-la no ambiente familiar, põe em destaque o clima religioso que ali se respirava e os inícios da vocação, quando, aos 11 anos, é levado pelo pai para o seminário em Limoeiro do Norte (1950 a 1955). Entre as informações sobre a vida naquele educandário, além do grande golpe sofrido com a morte prematura da mãe, ganha destaque a figura de José Freire Falcão, hoje cardeal arcebispo emérito de Brasília e, então, jovem padre “idealista e bom intelectual, ligado aos movimentos da renovação eclesial” e que “exerceu sobre mim grande influência ao passar-me a mística da Ação Católica Especializada, sobretudo da Juventude Agrária Católica-JAC” (30).

Do período passado em Fortaleza (1956-60), no Seminário da Praínha, juntamente com a presença de alguns padres diocesanos, recentemente chegados de Roma, sintonizados “com os movimentos de renovação eclesial e ligados à espiritualidade de Charles de Foucauld”, ganha destaque o contato com a Ação Católica da cidade, com aqueles e aquelas ”militantes admiráveis, que tiveram grande influência na minha vida de futuro padre, no processo de amadurecimento afetivo e na perspectiva missionária” (34).

Na descrição dos quatro anos passados no Colégio Pio Brasileiro em Roma (1960-65), após rápidas referências ao Colégio com suas tensões internas; a uma crise pessoal a cujo respeito nos deixa um tanto jejunos; à Universidade Gregoriana, com seus excelentes professores e, mesmo, ao próprio Concílio Ecumênico que acontecia em Roma naqueles anos, Ernanne parece dar destaque especial, como elementos plasmadores de seu futuro:

– à figura do Pe. Gauthier, sacerdote francês, antigo professor de Eclesiologia em Dijon e então operário em Nazaré, na Palestina, que teve importante papel no Concílio e na vida de alguns de seus colegas do Pio Brasileiro (42);

– e às férias pelas quais ansiava “como o guarda espera a aurora”, e que lhe proporcionavam excelentes contatos com a realidade rural e operária da França, em Lyon, e da Suíça francesa, em Lully; e, particularmente, em Puy de Dome, na França, onde teve o primeiro contato com a Mission de France, começando, então, a sonhar em integrar uma de suas equipes, por um período maior, depois de terminado o seu curso de Teologia, na Universidade Gregoriana.

O capítulo dedicado à concretização daquele seu sonho, em Chauny, na França, de julho de 1964 a junho de 1965, antes da ordenação sacerdotal, e da volta para o Brasil, tem quase o mesmo número de páginas do capítulo anterior, sobre os quatro anos passados em Roma. E a julgar pela maneira viva e detalhada como o descreve não foi por mera “força de expressão” que pôde então afirmar, por carta, ao Pe.Oscar Muller, que seu aprendizado nas fábricas, naquele único ano, lhe fora mais proveitoso que o dos quatro anos na Universidade Gregoriana; merecendo, por isso, um ‘carão’ daquele sacerdote (66).

Seria interessante, se dispuséssemos do tempo necessário, percorrer a vôo de pássaro, o livro de Ernanne, para comprovar a persistência e coerência com que, na narração de seu longo ministério e dos inúmeros desafios que teve de arrostar à frente das várias Instituições, e nos importantes cargos que ocupou, se exprimiu e aprofundou, como uma constante, a dimensão pastoral e missionária em diversas vertentes de sua espiritualidade, como a da Ação Católica Especializada, da Mission de France; de Charles de Foucauld; do Padre Antoine Chévrier  etc…  Dimensão essa que sempre soube cultivar e que deu sustentação à sua vida sacerdotal, fazendo dele “um craque na seleção dos missionários de Deus” (283), como lhe foi dito pelo casal porta-voz da homenagem prestada pelas Equipes de Nossa Senhora, por ocasião de seus 40 anos de padre.

Foi assim que esteve à frente do Seminário Regional do Nordeste- SERENE, do Instituto de Teologia do Recife – ITER, do Centro Cultural Missionário-CCM e do Centro Nacional de Fé e Política Dom Helder Camara – CEFEP, em Brasília; bem como, foi assim que se portou nos diversos cargos que exerceu, tais como : o de Vigário Episcopal dos Leigos, em Olinda e Recife, o de Assessor da CNBB para o Setor Leigos (as) , tendo, enquanto tal, participado de importantes eventos eclesiais, como o Sínodo sobre os Leigos em Roma e a Conferência do Episcopado latino-americano em Santo Domingo; o de membro da Comissão de Ética Pública – CEP, e ainda, o de Assessor político, por quase uma década., da Conferência Nacional dos Bispo do Brasil.

Não é sem razão que nos momentos de maior tensão em sua atividade pastoral ele soube bater em retiradas estratégicas: mais curtas como a do curso de espiritualidade latino-americana em Santiago do Chile, oferecido pelo CELAM e gem que lhe foia no se, po,UFC do Mês de Nazaré, uma das ferramentas da espiritualidade de Charles de Foucauld, em Fátima de São Lourenço (MT); de seis meses, como o curso do IPLA, em Quito, onde tomou um banho de América Latina; e, até mesmo, de um ano, como o passado, numa espécie de pós-graduação em Teologia, na Faculdade N. Sra. da Assunção, em São Paulo.

Desses momentos de retirada e de deserto que lhe renovaram o alento missionário, apresenta sintéticos e substanciosos relatos, através de cartas por ele então enviadas aos amigos; ou de registros em seu Diário, ou ainda em “textos-inspirações” elaborados às vezes pelo grupo, ao final daqueles eventos.

Como seria bom que textos como esses, bem como o breve e precioso capítulo: “O que sustenta a Espiritualidade do padre Diocesano?” (293-304), ou melhor, ainda, como seria bom que o inteiro livro de Ernanne chegasse às mãos e ao coração dos seminaristas diocesanos atuais, ou do jovem clero secular, não raro, seduzidos pela visão de um sacerdócio excessivamente ritual, ou pelas lantejoulas de um ministério mais virtual que virtuoso, como testemunho de uma maneira de viver o sacerdócio, guardando intactas ou, pelo menos, bem pouco machucadas, as esperanças eclesiológicas e missiológicas do Concílio Vaticano II.

.*

Caro Pe. Ernanne,

Quando, há bem pouco mais de uma semana, recebi de Gustavo Castro o convite para fazer esta apresentação, confesso que minha primeira reação foi a de recusar a honrosa incumbência.

Aleguei de imediato o encima da hora; o fato não saber sequer que Ernanne havia escrito um livro de memórias, junto com a minha condição de leitor ruminante que necessita de um tempo maior para digerir o que lê.

Mas, aqui pra nós, a principal razão de minha resistência era a inquietante pergunta: e se eu não gostar do livro de Ernanne?  Não que duvidasse de sua capacidade, mas, antes, por não desconhecer, os ardis e manhas do gênero literário por onde enveredara. Há celebridades que assinaram autobiografias decepcionantes, como Charles Chaplin ou Morris West.

Mas posso dizer-lhe, também de peito aberto e sem ferir a sinceridade que lhe devo, que gostei do seu livro, agradeci a Deus por ele e, como disse acima, desejo que seja bastante lido, particularmente pelos atuais seminaristas e jovens padres.

Quanto a mim, sua leitura me fez perceber o quanto estive ausente e quanto perdi por não ter estado mais perto de você, participando melhor, mesmo que de longe, de sua aventura missionária, ao longo de todos estes anos…

Agradeço aos que tiveram a lembrança de meu nome e ao Gustavo que me transmitiu o convite, a oportunidade e o privilégio de estar dizendo-lhe estas coisas, na presença de tão ilustres testemunhas.

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07 de fevereiro de 2010

 

[1] Padre José Ernanne Pinheiro, Memória e Missão, Experiências de Vida, São Paulo, Paulinas, 2009. Os números entre parênteses indicam a página nesta edição.

[2] Cartas do Pai, de Alceu Amoroso Lima para sua filha Madre Maria Tereza, Instituto Moreira Sales, IMS, IPSIS Gráfica Editora, 2003, São Paulo.

[3] Dom Helder Camara, Obras Completas, I Vol.: Cartas Conciliares e II Vol.: Cartas Interconciliares, Companhia Editora de Pernambuco- CEPE, 2009, Recife.

[4]  José de Broucker, Les Conversions d´ un  Évèque, Ed. Cerf, 1977, Paris..

[5] Evanize Sydow e Marilda Ferri, “Dom Evaristo Arns, Um homem amado e perseguido”, Ed. Vozes,1999.

[6]  Dom Aloísio Lorscheider – “Mantenham as Lâmpadas Acesas” – Revisitando o Caminho, Recriando a Caminhada, Um diálogo de Aloísio Cardeal Lorscheider com O GRUPO, Edições UFC, Fortaleza, 2008.

[7] “O Bispo de Volta Redonda”, Memórias de Dom Waldyr Calheiros, Org. Céliia Maria Leite Costa, Dulce Chaves Pandolfi, Kennet Serbin, FGV Editora,Rio de Janeiro, 2001.

Apresentação do livro “Memória e Missão” de Pe. José Ernanne Pinheiro

Reflexão J. B. Libâneo

PINHEIRO, José Ernanne: Memória e Missão. Experiência de vida. São Paulo: Paulinas, 2009.

Aumenta a literatura autobiográfica. Característica interessante da pós-modernidade. E a história se constrói bastante a partir desses testemunhos. No caso do presente livro, ERNANNE desenvolveu e desenvolve ampla atividade pastoral, especialmente no campo da relação entre Igreja e política. Conhecer-lhe a vida, em estilo testemunhal, ajuda-nos a entender melhor a sua prática. Como ele viveu momento de extrema importância na vida da Igreja universal e do Brasil, de maneira intensa e participativa, essa autobiografia traz contribuição para o conhecimento da história recente da Igreja.

ERNANNE foi ordenado sacerdote três dias antes de terminar o Concílio Vaticano II, esse maravilhoso divisor de águas da Igreja. Ele conheceu, como criança e jovem seminarista, os anos de turbulência que precederam e depois que se seguiram a esse evento. Filho de família numerosa, o segundo de dez filhos, perde a  mãe quando de parto aos 43 anos e o pai viúvo casa-se pela segunda vez, tendo ainda mais duas filhas. Nasce em região pobre do Ceará. Daí herdou a mística da luta, dentro de uma família de princípios.

No meio de uma brincadeira, um monsenhor pergunta aos meninos: quem quer ser  padre? Com o sim de ERNANE, com 11 anos, apenas terminado o 3º primário, começa a epopéia seminarística da entrada no Seminário  Menor de Limoeiro do Norte até terminar no Colégio Pio Brasileiro de Roma, depois de passar pelo Seminário Maior de Fortaleza. Nem lhe faltou nessa trajetória o choque da perda da mãe, quando ainda estava no Seminário Menor.

Pessoalmente o conheci em Roma. Iniciava meu trabalho de orientador de estudos e ele já andava pelo 4º ano de teologia. O Colégio viveu, com o Concílio em andamento, anos de turbulência que ele narra de maneira sucinta. Foram momentos de rica experiência de Igreja, entrando em contacto com renomados teólogos. As férias proporcionaram-lhe experiências bem diversificadas de trabalho, de estágio rural, de colônias de férias, de contacto com a Mission de France. Antes de voltar ao Brasil, morando com uma equipe de padres da Mission de France, trabalhou um ano como operário na França. Nem lhe faltou participar, em Paris, de um curso intensivo do Instituto de Economia e Humanismo do Pe. Lebret.

De volta ao Brasil, ERNANNE terá dois pólos principais de atuação: Recife e Brasília com pequeno intervalo de um ano no Seminário da Prainha de Fortaleza (1966) e outro ano na Faculdade Nossa Senhora da Assunção em São Paulo (1980).

A experiência de Recife foi riquíssima. Desde 1964, era arcebispo a figura maravilhosa de Dom Helder. Para despertar a curiosidade do leitor, elenco simplesmente os fatos mais relevantes: vice-reitor do Seminário Regional do NE com um ano apenas de padre, a criação do ITER (Instituto de Teologia do Recife), a formação dos seminaristas em comunidades menores, a vida numa equipe de padres inserida na Vila Popular de Olinda, vigário episcopal dos leigos, a tragédia do assassinato do Pe. Antônio Henrique Pereira Neto no auge da repressão militar na cidade do Recife para atingir a pessoa de D. Helder (1969), assistente da ACO na Arquidiocese de Recife, a saga do seqüestro do vôo que o conduziria do Rio de Janeiro a Santiago do Chile depois da escala em Buenos Aires e outra Santiago, simplesmente para abastecer o avião que se decolou para Cuba (1969), a expulsão do pe. Comblin do Brasil (1971), o curso no IPLA do CELAM (Equador, 1972), Coordenador de Pastoral da Arquidiocese do Recife (1974-1979).  Este cargo de Coordenador permitiu-lhe conhecimento mais profundo da vida da Arquidiocese: a atuação de Dom Helder, valorização dos cristãos leigos (as), Movimento de Evangelização “Encontro de Irmãos”, Operação Esperança, Comissão Justiça e Paz, Assembleias Arquidiocesanas de Pastoral, repressão militar.

Depois do hiato de um ano em São Paulo, volta ao Recife e assume a direção do ITER (1981-1985). Trabalho relevante, difícil. No livro, ele faz um balanço de sua gestão: crescimento numérico, reestruturação da coordenação dos estudos, o intercâmbio nos diversos níveis, valorização das promoções do Diretório Acadêmico, incentivo à comunhão e participação no espírito de Puebla, criação de uma revista, diálogo permanente com os responsáveis das casas de formação, diálogo com os ex-alunos do ITER, manutenção, além do curso regular, de um curso de Ciências Religiosas para Agentes de Pastoral e Professores de Religião, empenho na gerência da parte administrativa, o enfrentamento com os diversos tipos de alunos que chegavam.

ERNANNE, ao fazer um balanço sobre o tempo que passou na Arquidiocese, confessa que foi “seduzido pela cidade do Recife”. Sendo substituído na direção do ITER, parte deixando muitas amizades que ele enumera singelamente, desde Dom Helder até alguns amigos que destaca: Homero Brandão e Pe. René Guerre.

Brasília constitui-se no outro pólo de sua vida. Até hoje vive aí. Distingue três grandes períodos. Chega à Capital Federal como Assessor da CNBB. E começa então longa trajetória de serviço à Igreja em nível de Brasil.  Desenvolveu no primeiro período de Brasília (1986-1996) o cargo de Assessor dos leigos. Manteve contatos com o Conselho Nacional dos Leigos, que a CNBB fundara em 1976. Em 1987, esse Conselho faz seu primeiro encontro nacional em vista da preparação do Sínodo dos leigos que acabou sendo marcado para Roma, em 1987. Foi convidado como assessor da CNBB para ele. Excelente experiência de contactos mundiais.

ERNANNE    ainda nesse cargo participa juntamente com outros assessores intensamente do período da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988), com assíduo acompanhamento do trabalho parlamentar. Assume também o cargo de Subsecretário de Pastoral da CNBB e colabora na elaboração das novas Diretrizes da Ação Evangelizadora  para o quadriênio de 1991-1994. Festejou nesse ínterim o jubileu de prata sacerdotal (1990). Participa da Conferência de Santo Domingo como assessor da CNBB (1992), encerrando assim uma fase na CNBB, para em seguida tornar-se Assessor Político da CNBB de 1992-1996. Momento importante em que acontecem: A ação do Movimento da Ética na Política, o Movimento Cidadania contra a Fome e a Miséria e pela Vida. Não faltaram viagens internacionais que lhe enriqueceram a visão de Igreja.

Ao deixar a assessoria da CNBB, é nomeado para dirigir o Centro Cultural Missionário (1996-2001) com enormes elogios. Trabalho intenso e desafiante de contacto direto com os/as missinários/as de países e continentes diversos. Teve de participar de Congressos sobre a missão, encetar viagens missionárias.  Vida rica de experiências. Faz sentida lembrança de mortes: do próprio pai, de D. Helder, do pe. Humberto Plummen.

Já pensava voltar à diocese depois de terminar o mandato de direção do Centro Missionário, quando, de novo, lhe solicitam retomar Assessoria Política da CNBB a partir de 2001. Aí está até hoje. Nessa nova fase, participa na elaboração da análise de conjuntura mensal. Tocou-lhe esse ofício bem durante os mandatos do Presidente Lula. Alguns itens fecham o livro: celebração dos 50 anos da CNBB (2002), nova direção da CNBB (2003-2007), presença do Presidente Lula na Assembleia Geral da CNBB, a organização da Escola de  Formação Política. Os bispos da Presidência e do Conselho Episcopal de Pastoral da CNBB aprovam a proposta do Centro Nacional Fé e Política “Dom Helder Câmara” (2004). Organiza-se, em 2006, a primeira turma em parceria com a PUC-Rio do curso de Formação Política para Cristãos Leigos(as) com duração de uma ano e meio para 50 alunos(as).

ERNANNE faz breve menção a sua participação na comitiva presidencial para os funerais do João Paulo II (2005). Neste mesmo ano ele celebra 40 anos de sacerdote. Acrescenta, no elenco das atividades de assessoria no campo político, a participação no colegiado da Comissão de Ética Pública, criada pelo Governo Federal com a competência de rever as normas que dispõem sobre a conduta ética na Administração Pública Federal (2006). Assumiu tal cargo por três anos.

Fecha o livro com uma reflexão sobre a espiritualidade do padre diocesano. Enfim, temos aqui memórias ricas de uma vida de intensa atividade pastoral principalmente na Arquidiocese do Recife e em Brasília, seja na assessoria política da CNBB, seja na direção do Centro Missionário. Estão escritas algumas páginas da história da Igreja do Brasil em momentos bem diferentes: os esperançosos anos do Concílio Vaticano II, os tenebrosos tempos da repressão e os novos rumos da política eclesiástica e civil no Brasil

J. B. Libanio